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Aborto em vacas leiteiras: conheça as principais causas e como prevenir

Existem várias condições de saúde reprodutiva que afetam os bovinos, sendo o aborto uma das mais impactantes. As enfermidades reprodutivas desempenham um papel significativo nos indicadores de reprodução, como a taxa de natalidade, prenhez, retorno ao cio e ocorrência de natimortos, causando assim diversos prejuízos.

O aborto, especificamente, refere-se à expulsão de um feto, vivo ou morto, do útero em um período que varia de 42 a 260 dias de gestação, quando o feto não é capaz de sobreviver de forma independente em um ambiente fora do útero.

Diferente do aborto, temos a perda embrionária que acontece antes de 42 dias após a inseminação e o natimorto que é quando o bezerro(a) nasce sem vida ou não sobrevive por mais de 24 horas após o nascimento.

Nesse artigo iremos discutir sobre as causas de aborto em vacas leiteiras, bem como as formas de identificação dessas causas, o impacto que o aborto pode trazer para uma propriedade e também algumas medidas preventivas.

Quais as principais causas de aborto em vacas leiteiras?

Abortos em bovinos podem ocorrer em vários estágios da gestação e têm múltiplas origens, tornando o diagnóstico essencial. Entre as principais causas de abortos em vacas leiteiras, podemos citar:

Causas infecciosas

Neosporose

Causada pelo protozoário denominado Neospora caninum, sendo a transmissão transplacentária a principal forma de infecção. Ao adentrar as células uterinas o parasita se multiplica e causa danos nos tecidos fetais e maternos, causando uma resposta inflamatória que pode levar ao aborto.

Temos os cães como os principais hospedeiros intermediários, pois é comum que os mesmos ingiram membranas placentárias de vacas contaminadas com cistos teciduais.

Assim, o rebanho pode contrair Neosporose de duas formas: através da ingestão de oocistos (ovos) eliminados nas fezes dos cães ou através da transmissão transplacentária.

Brucelose

Causada pela bactéria Brucella abortus, a qual se manifesta causando abortos. A brucelose é reconhecida como a enfermidade de maior relevância quando se trata de complicações reprodutivas, com sérias implicações devido à sua ampla disseminação em seres humanos, sendo uma zoonose grave que pode resultar em febre ondulante.

O agente infeccioso adentra o organismo por via hematógena, alcançando o endométrio e a placenta, onde irá de reproduzir no retículo endoplasmático rugoso das células trofoblásticas, liberando assim endotoxinas que resultam em danos à placenta, como a placentite necrótica, condição que está diretamente relacionada aos casos de aborto.

A transmissão acontece através da contaminação ambiental, que ocorre devido à presença de membranas e fluidos fetais, bem como de descargas vaginais de fêmeas que tenham sido infectadas após abortos ou partos.

Os prejuízos são significativos e incluem abortos, retenções de placenta, metrites, subfertilidade e, em casos extremos, infertilidade. Nas vacas prenhes, os sintomas predominantes se manifestam na forma de abortos ou no nascimento de bezerros enfraquecidos.

Geralmente, os abortos ocorrem na segunda metade da gestação, o que pode resultar em retenção de placenta, metrite e, ocasionalmente, esterilidade permanente.

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Leptospirose

Causada pela bactéria Leptospira interrogans, provoca aborto em bovinos normalmente com mais de 6 meses de gestação.

A transmissão pode ocorrer de maneira indireta, envolvendo o contato com águas e solos contaminados por urina, materiais fetais, leite, ou abortos, mas a principal via é através de roedores e animais silvestres infectados.

Os sintomas clínicos se evidenciam por meio de sinais como o retorno ao cio, abortos, maceração fetal, redução na produção de leite, ocorrência de mastites, nascimentos de natimortos, fetos prematuros e/ou debilitados, além de manifestações de subfertilidade ou infertilidade devido a complicações associadas.

Campilobacteriose

Causada pela bactéria Campylobacter fetus subsp. Veneralis, ocasionalmente pode causar aborto, porém a maior queixa é de retorno ao cio após a inseminação ou cobertura.

A transmissão pode ocorrer pela cópula com um touro infectado ou com a utilização de sêmen, que não foi tratado com antibióticos, proveniente de um touro infectado.

O desempenho reprodutivo das fêmeas pode indicar a existência da enfermidade, manifestando-se por meio de sinais clínicos como morte embrionária, repetição do cio sem fertilização, infertilidade temporária, prolongamento dos intervalos entre os cios e os partos.

Diarreia Viral Bovina (BVD)

Causada por um vírus que pertence à família Flaviviridae, gênero Pestivirus, afetam diversos sistemas do corpo, incluindo o reprodutivo, respiratório, digestivo, circulatório, imunológico, entre outros, com sintomas difíceis de detectar devido à sua apresentação discreta.

O vírus pode penetrar a placenta e causar infecção intrauterina do feto resultando em morte embrionária precoce, abortamento, defeitos congênitos, nascimentos de crias mortas, mortalidade neonatal, menor crescimento ou o nascimento de bezerros persistentemente infectados (PI) com o vírus da BVD.

A suspeita clínica surge quando os animais exibem sintomas como febre elevada, fraqueza, diarreia com presença de sangue, falta de apetite, excesso de saliva, lacrimejamento, desidratação e lesões ulcerativas na boca, focinho, mamas e vulva.

A suspeita também é fortalecida quando esses sintomas de diarreia estão associados a uma redução nos índices reprodutivos, incluindo o aumento de abortos e malformações.

Rinotraqueíte Infecciosa Bovina (IBR)

Causada pelo o agente etiológico é o BoHV-1, que manifesta de forma respiratória, ocasionando febre e lesões de transtorno nas vias superiores do animal, com quadros respiratórios graves (às vezes) em animais jovens, além disso, também causa aborto a partir dos 6 meses.

Os touros desempenham um papel crucial na disseminação da infecção, uma vez que a presença de lesões no pênis e prepúcio aumenta significativamente o risco durante o ato de montar.

A inseminação artificial com sêmen contaminado em fêmeas saudáveis resulta em uma elevada incidência de infecção. O diagnóstico é baseado nos sinais clínicos e a confirmação é feita através da sorologia pelo teste de ELISA ou teste de imunoistoquímica.

Estresse térmico

O estresse térmico tem o potencial de impactar o desempenho reprodutivo do rebanho leiteiro, muitas vezes afetando a concepção em vez de desencadear abortos. No entanto, há indícios de que um súbito aumento na temperatura ambiente pode levar a abortos, devido a elevações da temperatura corporal (febre) decorrentes de infecções.

Vacas confinadas tende a sofrer menos com estresse térmico devido a um maior controle do ambiente, mas pode ocorrer alguns abortos ou absorção. Ideal é que em épocas de altas temperaturas os ventiladores fiquem ligados e os aspersores também, a fim de dissipar melhor esse calor.

Substâncias tóxicas (toxinas) advindas principalmente de ingredientes que compõem a dieta

As micotoxinas são encontradas em vários produtos agrícolas, porém a contaminações de grãos e silagens, desempenham um papel de destaque na produção leiteira, ocasionando intoxicação, perdas gestacionais, abortos e queda na produção.

As micotoxinas de maior relevância presentes em ingredientes utilizados na nutrição animal incluem aquelas produzidas por fungos pertencentes ao gênero Aspergillus (como aflatoxinas B1, B2, G1 e G2) e ao gênero Fusarium (como desoxinivalenol-DON ou vomitoxina, zearalenona, e fumonisinas B1 e B2).

A prevenção pode ser feita durante a armazenagem sendo feita de forma correta, temperatura e umidade controlada quando falamos de armazenagem de grãos.

Na silagem o processo de ensilagem quando bem feito pode contribuir para o controle da presença dos fungos causadores de micotoxinas. Quando fornecer a silagem aos animais evitar fornecer partes que tenham mofo e além disso pode ser adicionado a alimentação o adsorvente de micotoxinas.

Como identificar as causas de aborto em vacas?

A identificação das causas de abortos em vacas leiteiras pode ser um grande desafio tendo em vista que as mais variadas condições podem estar envolvidas.

Entretanto, é de extrema importância investigar através de uma abordagem sistemática, o que envolve análise do histórico do rebanho, exames clínicos, laboratoriais e em alguns casos a necropsia.

A partir da realização do exame clínico, o que engloba observação do comportamento das vacas a fim de detectar sinais de desconforto e análise de indicadores reprodutivos a partir da verificação do histórico reprodutivo das vacas, incluindo taxa de aborto e natimorto, taxa de concepção e até a perda de prenhez da propriedade.

Quanto aos exames laboratoriais, eles serão úteis na identificação de causas de aborto pois oferecem informações valiosas sobre diversos aspectos de saúde do animal. A partir da realização desses exames é possível ter o diagnóstico de condições infecciosas, nutricionais, e metabólicas que podem estar associadas ao aborto. Dentre os exames mais comuns que podem auxiliar nesse diagnóstico temos a cultura bacteriana, exame de PCR (Reação em Cadeia Polimerase), testes sorológicos e até mesmo análise genética através de testes genéticos.

A avaliação do rebanho considerando o histórico de saúde reprodutiva é crucial, pois a partir disso conseguimos enxergar se existe um padrão de ocorrência que possa sugerir uma causa comum. Junto com a análise desse histórico é importante avaliar o ambiente dos animais e também o ambiente de estoque de insumos alimentares.

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Qual o impacto de taxas elevadas de aborto em uma fazenda?

A proporção de 3% a 5% de abortos em um rebanho pode ser considerado “abortos esporádicos”, entretanto, acima dessa taxa, os episódios de aborto precisam ser investigados.

Quando temos um cenário de elevadas taxas de aborto em uma fazenda leiteira, teremos diversos impactos negativos relacionados principalmente a questão econômica e ao desempenho do rebanho, principalmente quando se trata de abortos ocorrendo em uma fase mais tardia da gestação.

Estudos trazem hipóteses frente ao desempenho produtivo e reprodutivo das vacas a depender da fase da gestação que o aborto ocorre e se esse aborto resultou ou não em uma nova lactação. Entretanto, de maneira geral, podemos dizer que as perdas econômicas ocasionadas pelo aborto vão muito além do que apenas a perda da gestação.

Diagrama com dois tipos de aborto em vacas leiteiras

Diagrama de dois tipos de aborto, bem como parto normal. a) Vaca com parto normal e que iniciaram a lactação; b) Vacas que abortaram e iniciaram uma nova lactação c) Vacas que abortaram, foram inseminadas novamente e não iniciaram uma nova lactação. Fonte: Keshavarzi, H. et al. (2020)

Perdas diretas que o aborto pode causar

  • Perda de produção de leite: Estima-se uma perda de produção de leite em comparação com as vacas que parem normalmente: 
    • Redução de 19% na produção de leite em vacas que abortam e iniciam uma nova lactação. 
    • Redução de 7% na produção de leite em vacas que abortam, mas não iniciam uma nova lactação
  • Aumento do descarte precoce de vacas: Aumento em 34% a probabilidade de descarte prematuro em vacas que abortam e tem uma nova lactação e comparação com 20% para vacas que tiveram um parto normal.
  • Aumento do número de serviços por concepção: Aumento de 1,6 serviços/concepção para vacas que abortaram, tiveram uma nova inseminação e não iniciaram uma nova lactação comparado com vacas que tiveram parto normal.

Impactos significativos

  • Aumento do intervalo entre partos: O aborto pode levar a um aumento do intervalo entre partos, pois a vaca precisará de um tempo após o aborto para se recuperar, voltar ao cio, ser inseminada, emprenhar e ter um novo parto.
  • Impacto econômico direto: O aborto irá levar a perdas econômicas diretas como a perda do bezerro, redução na produção de leite, potencial aumento de custos com medicamentos seja pelos problemas uterinos ocasionados após o aborto ou devido a tratamento de doenças que provocaram o aborto.
  • Risco de disseminação de doenças: Quando se tem como causa do aborto os agentes infecciosos, tem-se o risco de disseminação dessas doenças para outras vacas do rebanho, o que torna um risco para a saúde de todo o rebanho.

Quais medidas pode ser tomadas para prevenir o aborto em vacas leiteiras?

A implementação de práticas de manejo adequadas, cuidados preventivos com a saúde, manutenção de um ambiente propício e adequado ao bem-estar das vacas são medidas de prevenção do aborto. Dentro dessas medidas, podemos citar:

Sanidade

A sanidade e a implementação de um calendário sanitário adequado e estratégico para a propriedade são fundamentais para reduzir os riscos de aborto.

A adoção de medidas práticas de manejo sanitário, ajudam a evitar a disseminação de doenças infecciosas, minimizar o estresse do rebanho e criar um ambiente propício para a saúde reprodutiva. Sobre o calendário sanitário, é importante que ele vise manter alguns objetivos:

  1. Prevenção de doenças: As vacinas são uma ferramenta eficaz para prevenir doenças infecciosas que podem causar prejuízos significativos à saúde e ao desempenho dos bovinos. A vacinação ajuda a criar uma barreira imunológica que protege o rebanho contra patógenos específicos, reduzindo a ocorrência de doenças.
  2. Redução de perdas econômicas: A prevenção de doenças por meio da vacinação contribui para a redução de perdas econômicas. Doenças como a febre aftosa, a brucelose, a leptospirose e a rinotraqueíte infecciosa bovina podem resultar em abortos, infertilidade, perda de peso e até morte dos animais, o que impacta negativamente a produção e os lucros da fazenda.
  3. Cumprimento de requisitos legais: Em muitas regiões, a vacinação bovina é obrigatória, principalmente para doenças de importância sanitária, como a febre aftosa. O não cumprimento das regulamentações pode resultar em restrições comerciais e multas, prejudicando a fazenda.
  4. Melhoria da qualidade dos produtos: Animais saudáveis são mais produtivos e produzem carne e leite de melhor qualidade. A vacinação ajuda a manter a saúde do rebanho e, consequentemente, a qualidade dos produtos.
  5. Prevenção de epidemias: A vacinação em massa ajuda a prevenir a propagação de doenças infecciosas em grande escala. Isso é particularmente importante em fazendas onde os animais são mantidos em alta densidade e têm maior potencial de disseminar doenças.
  6. Bem-estar animal: A vacinação contribui para o bem-estar dos animais, pois reduz o sofrimento causado por doenças e complicações de saúde.
  7. Proteção do patrimônio genético: A prevenção de doenças por meio da vacinação ajuda a preservar o patrimônio genético do rebanho, uma vez que animais saudáveis têm maior probabilidade de se reproduzir com sucesso.
  8. Confiabilidade na produção: A vacinação regular cria um ambiente de produção mais estável e previsível, reduzindo a incerteza e os riscos associados a surtos de doenças.

Ambiente e Manejo

O ambiente desempenha um papel crucial na prevenção do aborto em vacas, pois ele influencia diretamente na saúde reprodutiva e saúde geral do rebanho. Algumas práticas de manejo e condições ambientais adequadas podem sim contribuir para a redução casos de aborto.

  1. Higiene das instalações: Manter as instalações limpas e bem higienizadas é essencial para prevenir a disseminação de patógenos que podem causar infecções uterinas e predispor ao aborto. Esse manejo inclui a remoção regular de esterco e detritos de corredores, sala de espera e áreas de descanso.
  2. Manejo adequado de resíduos: para evitar a contaminação do ambiente o manejo eficaz de resíduos é importante. O acúmulo excessivo de resíduos pode criar um ambiente com condições propícias de patógenos.
  3. Evite superlotação: Além da superlotação promover o estresse nos animais, a superlotação pode levar ao aumento de competição, favorecer lesões e ser um grande problema quando se trata da disseminação de doenças.
  4. Manejo do estresse térmico: Oferecer um ambiente adequado às vacas é essencial, o que inclui a disponibilidade de sombra e disponibilidade de água de qualidade. Além disso, podemos contar com recursos como ventilação e aspersão para contribuir com a redução do estresse térmico das vacas.
  5. Manejo nutricional adequado: Dieta equilibrada e adequada às necessidades nutricionais das vacas é crucial para a saúde. Deficiências ou excessos nutricionais podem aumentar o risco de aborto.

Por fim, sabendo então dos impactos negativos que o aborto pode trazer a propriedade é importante que exista prontamente uma ação a fim de identificar e abordar as causas do aborto, implementar práticas de manejo adequadas e deter de programas de saúde preventiva. A prevenção é essencial para minimizar os impactos econômicos e garantir a sustentabilidade e lucratividade da fazenda.

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Ana Flávia Teixeira - Equipe Leite Rehagro

Laryssa Mendonça

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