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Beber ruminal: o que todo criador de bezerras deve saber

Ao nascer, os bezerros são funcionalmente monogástricos e assim permanecem durante as primeiras semanas de vida, onde a câmara utilizada para digestão do leite é o abomaso. Durante esse período, o estômago anterior dos bezerros está subdesenvolvido e a fermentação ruminal por si só é incapaz de fornecer energia suficiente para o animal em crescimento. 

Quando o bezerro bebe leite, ele desencadeia um reflexo nervoso, o qual faz com que as paredes musculares do sulco esofágico se contraiam, transformando o canal aberto em um tubo fechado. Isso é o que acontece para desviar o leite do estômago anterior diretamente para o abomaso. Quando não ocorre esse reflexo, e consequentemente a formação da goteira esofágica ou quando ela é formada de forma ineficiente, temos o leite sendo direcionado ao rúmen, caracterizando o que chamamos de “Beber ruminal”. 

Nesse texto iremos tratar sobre o beber ruminal, entendendo melhor o que é esse problema, como ele ocorre, os fatores que estão relacionados a essa condição e as recomendações sobre a temperatura do leite e tamanho do orifício dos amamentadores. 

Por fim, vamos tratar sobre as principais consequências que o beber ruminal traz aos animais jovens e também estratégias eficazes de prevenção do problema. 

 

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O que é e como ocorre o beber ruminal?

Ilustração do trato digestivo de um bovino jovem e de adulto

Ilustração do trato digestivo de um animal jovem (esquerda) e de um animal adulto (direita), onde é possível observar que nos animais jovens o abomaso representa 70% do tamanho e nos animais adultos o rúmen já desenvolvido que assume essa proporção. Fonte: Development of the Calf Digestive System

O abomaso nos bezerros jovens compreende cerca de 70% de tamanho em relação às outras câmeras digestivas, e ao longo do tempo, conforme o animal se desenvolve e além do leite é inserido na dieta o consumo de concentrado e gradualmente volumosos, as papilas ruminais se desenvolvem, o que é importante para a absorção dos ácidos graxos voláteis e o desenvolvimento/aumento do volume ruminal.

Rúmen sem papilas, rúmen iniciando a formação de papilas e papilas ruminais desenvolvidas

Figura 1- Rúmen sem papilas (Alimentação exclusiva de leite). Figura 2- Rúmen iniciando a formação de papilas (Leite com acesso à volumoso e concentrado). Figura 3- Papilas ruminais desenvolvidas (Alimentação com concentrado e volumoso). Fonte: Development of the Calf Digestive System

Durante o aleitamento, o desvio do leite para o rúmen, quando em grandes quantidades, pode representar um problema, pois o açúcar do leite pode ser convertido em ácidos orgânicos a partir da ação fermentativa das bactérias, resultando em grande produção de ácido lático, que será absorvido pela parede ruminal, causando uma alteração na microflora ruminal e posteriormente indigestão, diarreia, acidose ruminal e redução de crescimento, o que tem alta relevância produtiva, visto que todo desempenho do animal é comprometido. 

Quanto aos mecanismos de formação da goteira esofágica, vários fatores são responsáveis por desencadear o reflexo esofágico, incluindo comportamento de sucção, temperatura do leite, a posição da cabeça do bezerro enquanto bebe e a ausência de estresse. 

Além disso, existem fatores externos, como a baixa temperatura do leite, falta de estar habituado com os vasilhames de aleitamento e ingestão em alta velocidade podem desencadear a falha no fechamento da goteira ou exceder a capacidade de fechamento, fazendo com que parte do leite também caia dentro do rúmen. 

A princípio, nos primeiros dias de vida do bezerro, a presença de leite no rúmen geralmente não é danosa, principalmente por ainda não possuir uma microbiota residente que seja capaz de realizar fermentação, mas após esse período não é desejável que ocorra. Por isso, a sondagem a partir da segunda semana de vida não é recomendada pelo risco de desvio para o rúmen.

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Existe relação entre a temperatura e tamanho do orifício?

Quanto a temperatura do leite, um estudo demonstrou que o leite a 8°C já foi suficiente para induzir um sulco esofágico funcional, indicando que a baixa temperatura isoladamente não é a causa do beber ruminal. Entretanto, manter uma temperatura consistente do leite durante a alimentação dos bezerros é muito mais importante do que a temperatura em si. 

Neste mesmo trabalho, foi observado que os bezerros são menos tolerantes a receber leite frio e em alta velocidade, ou seja, com o orifício do amamentador maior, foi demonstrado uma maior demora para beber o leite e isso aumentou conforme a temperatura do leite reduzia. Além disso, o gasto energético utilizado para aquecer o leite frio ingerido pode levar a redução de crescimento, o que já justifica e indica a importância do fornecimento do leite na temperatura ideal. 

É importante lembrar sempre que os bovinos, de forma geral, são criaturas de hábitos e com os bezerros isso não é diferente. Por isso, a manutenção de um regime alimentar padronizado, onde inclui a temperatura, tem sido considerada vital para garantir a formação da goteira esofágica de forma eficiente. 

Quanto ao diâmetro dos bicos, não é recomendado que o diâmetro dos orifícios seja largo, visto que as vacas apresentam orifício do canal do teto por volta 12-14 mm e quando ofertamos leite com uma abertura grande, o controle de fluxo de mamada não é eficiente pelos bezerros, ou seja, não supre a necessidade de sucção do bezerro, além de elevar a chance de fazer falsa via, ou seja, do leite ir para o pulmão ao invés de ir para o abomaso. 

Quais as recomendações quanto a temperatura do leite e o tamanho do orifício?

  • Temperatura: A temperatura do leite durante a oferta deve ser próxima a temperatura do corpo do animal, ou seja, aproximadamente 39ºC. 
  • Orifício: A instrução quanto ao tamanho do furo dos bicos de mamadeiras ou dos baldes amamentadores é o de não ampliar o tamanho do orifício dos bicos visando poupar tempo durante a alimentação, pois isso é prejudicial ao bezerro. Os bicos dos amamentadores atuais já foram desenvolvidos para fornecer o leite com velocidade controlada, similar e natural, a fim de aumentar a produção de saliva e enzimas. Além disso, é importante que seja implementada a rotina de troca dos bicos quando o mesmo apresentar sinais específicos, como bico esguichando leite, mamada rápida (menos de 1 minuto/litro) e até mesmo tosse constante durante a mamada.

Imagem demonstrando um bico novo, com orifício pequeno, simulando o aleitamento natural e um bico usado com o orifício totalmente aberto

Imagem demonstrando um bico novo, com orifício pequeno, o que simula o aleitamento natural e um bico usado com o orifício totalmente aberto. Fonte: Acervo Rehagro

 

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Quais as consequências do beber ruminal para a saúde e desenvolvimento dos bezerros?

  • Fermentação indesejada: o rúmen dos bezerros jovens não está totalmente desenvolvido e por isso, o leite que entra no rúmen pode fermentar, produzindo gases e ácidos, desencadeando timpanismo e desconforto abdominal;
  • Acidose ruminal: a fermentação excessiva no rúmen pode levar ao acúmulo de ácidos, o que resulta em acidose ruminal. Essa condição pode provocar diarreia, redução de apetite, perda de peso e em casos graves, ser fatal;
  • Diarreia: a fermentação de leite no rúmen pode resultar em diarreia severa, levando a desidratação e perda de eletrólitos. 

Além dessas consequências, ainda podemos citar alguns sinais: 

  • Letargia (os bezerros tendem a parecer fracos e menos ativos);
  • Redução de ingestão de leite;
  • Redução no ganho de peso;
  • Estresse e imunossupressão;
  • Predisposição a doenças secundárias.

É possível prevenir o beber ruminal?

Atuar na prevenção do beber ruminal é essencial para garantir o desenvolvimento saudável e evitar problemas digestivos graves nos bezerros, e sabendo dos fatores que contribuem para a formação eficaz da goteira esofágica, é fundamental trabalhar em prol desse mecanismo. 

Dentre as estratégias eficazes para prevenir o beber ruminal, temos: 

  • Uso adequado dos amamentadores (Mamadeiras e Baldes): utilize amamentadores que incentivem a sucção adequada, permitindo que o leite vá diretamente para o abomaso, ou seja, que imitem a ação de sucção natural. Não aumente o diâmetro dos bicos dos amamentadores, visto que a maior velocidade de fluxo não é compatível com o natural podendo reduzir consumo e gerar desconforto.
  • Controle da quantidade e frequência de alimentação: alimente os bezerros com quantidades adequadas de leite ou substitutos de leite, se atentando a temperatura ideal do leite (38-39°C), além de ser importante seguir uma rotina igual de horários de aleitamento, pois desvios nessa rotina podem ocasionar estresse e ansiedade nos animais, fazendo com que eles se alimentes de forma eufórica e rápida, não ativando os receptores responsáveis pela formação da goteira esofágica. É importante também evitar sobrecarregar o sistema digestivo com grandes volumes de leite de uma única vez e por isso é crucial que se estabeleça um cronograma de aleitamento com intervalos regulares. 
  • Aleitamento na posição correta: é importante que os bezerros se alimentem na posição que imite a posição natural da amamentação, com a inclinação adequada da cabeça. 
  • Monitoramento e observação: durante o aleitamento é importante observar atentamente os animais, vistoriando se estão mamando corretamente, além de também ser um momento ideal para identificar sinais de problemas digestivos, como timpanismo, diarreia ou comportamento anormal. 
  • Assegure condições de bem-estar: é importante que o ambiente seja livre de estresse e para isso é fundamental deter de condições de manejo adequadas, mantendo os animais em um ambiente confortável e limpo.
  • Educação e treinamento da equipe: treine todos os colaboradores envolvidos no manejo dos bezerros sobre as práticas adequadas de aleitamento e prevenção do beber ruminal. 

Considerações finais

Estar atento ao beber ruminal nos bezerros é fundamental para garantir seu bem-estar, saúde, crescimento adequado, eficiência produtiva e é a formação adequada da goteira esofágica que irá contribuir para essa condição.

Por isso, práticas de manejo que promovam um aleitamento correto e a estimulação de comportamentos naturais são essenciais para garantir que o leite seja direcionado ao abomaso, evitando problemas digestivos e contribuindo para o crescimento e desenvolvimento saudável dos animais jovens.

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Gabriela Clarindo - Equipe Leite RehagroLaryssa Mendonça

 

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