Existem vários fatores que afetam a qualidade do café, desde a localização, o manejo na lavoura, até o processo de pós-colheita do café. Nesse sentido, a fermentação contribui positivamente ou negativamente.
Por muito tempo essa etapa foi associada a aspectos ruins, como os degradativos que aconteciam nos frutos, e a qualidade da bebida que poderia não atingir a classificação de café especial. Sendo julgado tanto na planta quanto na etapa de pós-colheita.
No entanto, o café cereja descascado foi o precursor na mudança da concepção sobre a fermentação, pois, inicialmente ela era utilizada na remoção da mucilagem, que apesar de ter duração e manejo diferente da fermentação que tem se buscado fazer atualmente nos cafés, também é um tipo de fermentação.
Figura 1. Grão de café envolvido pela mucilagem (substância gelatinosa).
Foto: Joana Oliveira
O processo de remoção da mucilagem é feito em um período de poucas horas. Nele, os frutos de café são colocados em tanques com água, para que ocorra a ação de microrganismos que auxiliam na quebra de ligações responsáveis por fixar a mucilagem no fruto.
Portanto, a diferença entre os processamentos de cafés, levaram a bebidas com sabores distintos, despertando a curiosidade sobre esse processo.
O que é fermentação?
A fermentação é um processo químico, no qual microrganismos transformam matéria orgânica em outros produtos e energia. Dessa forma, no café, ocorrem transformações químicas no fruto, principalmente devido a quebra de alguns compostos.
Diante disso, existem fermentações desejáveis e indesejáveis, o que dependerá dos microrganismos presentes e das condições do processo.
Figura 2. Fermentações indesejáveis no café
Fonte: Joana Oliveira.
O processo da fermentação
Em condições adequadas, os fungos, as leveduras e/ou as bactérias, se desenvolvem produzindo enzimas e ácidos orgânicos que vão quebrar carboidratos, proteínas e polifenóis, e assim os transformam em compostos menores e metabólicos secundários, que serão precursores de novas características de aroma e sabor para a bebida.
Algumas teorias mais aceitas sobre a influência desse processo, é que a fermentação iguala a umidade dos grãos na etapa de secagem. Outras teorias defendem que a fermentação estimula o início do processo germinativo e assim ocorre a quebra de carboidratos e proteínas a fim de disponibilizar reservas para o embrião. No fim, acontece as mudanças dos compostos presentes nos grãos.
Sem existir uma explicação unânime ainda, sabemos que tem se conseguido cafés com ótimas características a partir do processo de fermentação, no entanto, é importante saber que existe a fermentação boa e a fermentação ruim.
Fermentação Boa x Ruim
A fermentação boa ou desejada, acontece formando compostos que influenciam de forma positiva, já a fermentação ruim ou indesejada é aquela sem controle, que forma compostos que influenciam de forma negativa.
- Fermentação ruim: geralmente, ocorre de forma descontrolada e é associada aos organismos saprófitas (se instalam degradando e consumindo açúcares e água dos frutos) que ocasionam perdas na qualidade.
Este tipo de fermentação é responsável por trazer frutos ardidos, com sabores amargos, adstringentes e ásperos ao paladar.
Figura 3. Fermentações indesejáveis no terreiro de café
Fonte: Joana Oliveira
Figura 4. Fermentação de grãos de café na planta.
Fonte: Joana Oliveira
- Fermentação boa: é controlada por organismos específicos, principalmente leveduras e lactobacilos. Com ela é possível agregar características agradáveis na bebida de café, todavia, para isso o lote de café que será fermentado precisa ter uma base de qualidade.
Figura 5. Fermentação controlada em tanques.
Fonte: Joana Oliveira.
Produzir café fermentado de qualidade
Para produzir um café fermentado de boa qualidade é importante que os cafés que irão passar por esse processo já tenham uma base de qualidade. A determinação desses lotes deve ser feita por meio de informações, que podem ser obtidas pelo monitoramento dos talhões.
Assim, o monitoramento pode ser realizado da seguinte forma:
- Período: cerca de 30 dias antes da colheita;
- Realizar a derriça plena de 5 plantas por talhão;
- Medir e pesar o volume das 5 plantas;
- Separar os cafés em diferentes estágios de maturação (verde, cereja, seco);
- Utilizar apenas os cafés cereja na avaliação;
- Descascar parte deles para avaliar como a qualidade acontece no café natural e descascado;
- Realizar a secagem;
- Analisar a qualidade sensorial desses cafés.
Figura 6. Separação dos grãos.
Fonte: Larissa Cocato
Figura 7. Separação de lote de café cereja natural.
Fonte: Joana Oliveira
As características desejáveis para o lote, são:
- Grau brix entre 15 e 30°;
- Ter uma base de aromas e sabores;
- Ter uma acidez mínima;
- Ter corpo médio a alto, pois a fermentação ocasiona perda de corpo.
Tais aspectos são importantes para que o processo fermentativo traga um café equilibrado e agradável ao paladar.
Tipos de fermentação
A fermentação é um processo que ainda necessita de muitos estudos e, principalmente, estudos feitos pelos próprios produtores, uma vez que o ambiente é parte importante do processo e tem grande variação entre regiões e propriedades.
- Fermentação natural: quando estimulamos o processo fermentativo, sem que haja a inoculação de microrganismos. Nesse tipo, são utilizados os microrganismos naturais que vem das lavouras, tornando difícil o controle e a repetibilidade do processo pelo fato de não conhecermos os microrganismos presentes e pela provável variação dos mesmos ao longo dos anos.
- Fermentação induzida: é feita pela inoculação de uma cultura inicial já conhecida. Os microrganismos inoculados promovem o processo fermentativo, antes dos demais microrganismos advindos da lavoura, assim quando se deseja a repetibilidade do processo é o tipo ideal.
Todavia, em ambos os tipos é de grande importante realizar o controle dos seguintes fatores:
- Tempo – duração da fermentação;
- Condições externas – controle da temperatura, da qualidade da água/ar e higiene para evitar contaminações;
- Controle do pH – em pH mais ácido (abaixo de 3,5) ocorrem fermentações intensas, que prejudicam a qualidade do café;
- Sistema de fermentação aeróbico/anaeróbico, seco/submergido, estático/agitado, continuo e descontinuo;
- Substrato, qualidade do café, variedade, seleção dos frutos e microrganismos.
Atenção! É essencial ter o controle desses fatores, pois a fermentação tem limites. Cafés com excesso de fermentação podem trazer baixo corpo, finalização seca e características adstringentes. Em contrapartida, a sub fermentação também não é interessante, pois não ocorre a produção dos compostos que são desejáveis.
Aumento na qualidade do café
O café está presente no cotidiano de diversas pessoas de diferentes lugares e faixas etárias. Assim, o consumidor tem buscado novas experiências, crescendo a cada ano a procura por cafés especiais.
Para suprir essa demanda, cada vez mais exigente, torna-se indispensável um manejo de pós-colheita, que pode incluir a produção de cafés fermentados. Essa prática pode diversificar a produção e valorizar a saca.
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