Os bezerros podem ser infectados por uma variedade de sorotipos de Salmonella dentro de horas e dias após o seu nascimento, e as consequências desta exposição podem ser variáveis, a depender do equilíbrio entre a imunidade do hospedeiro, a virulência do patógeno e também “dose” de exposição ao patógeno.
Ao longo deste texto vamos desvendar um dos agentes mais comuns associados à diarreia, discutir suas características, fisiopatologia e cuidados para reduzirmos os riscos a gravidades dos quadros nas bezerras.
Conhecendo o agente etiológico
O gênero Salmonella é uma bactéria gram-negativa, intracelular facultativa, anaeróbia e anaeróbia facultativa, pertencente à família Enterobacteriaceae. Possui ótima faixa de crescimento em temperatura entre 35º a 37º C e pH entre 6,5 e 7,5.
Existem 2.579 sorovares de Salmonella spp., sendo os com maiores responsáveis pela salmonelose em bezerros os sorotipos S. Typhimurium e S. Dublin.
A prevalência dos sorovares variam dependendo das localidades, dos manejos sanitários realizados, medidas de higiene definidas, localização e variações ambientais e individuais.
Bezerra com quadro clínico de diarreia. Fonte: Maria Fernanda Faria
A Salmonella é isolada comumente em surtos de diarreia, em especial a Salmonella Dublin, em unidades de criação de bezerros, onde estes são comprados de diferentes fontes. Durante surtos de salmonelose, não é incomum encontrar entre 70 a 80% dos bezerros eliminando a bactéria.
Como ocorre a infecção por Salmonella?
A principal rota de infecção é por meio da transmissão fecal-oral, no entanto, já foram identificadas outras rotas de infecção como a mucosa do trato respiratório superior e da conjuntiva.
Após a ingestão, a Salmonella irá colonizar o trato intestinal e invade por meio das células M (células especializadas nos tecidos linfoides intestinal) os enterócitos e tecido linfóide tonsilar.
Por meio deste último, a Salmonella ganha entrada nos fagócitos mononucleares e rapidamente são disseminados pelo corpo, a capacidade de infectar os bezerros por meio das tonsilas já foi observado em experimentos, e foi isolada do tecido dentro de 3 horas após infecção.
Os mecanismos básicos de virulência incluem:
- Habilidade de invadir a mucosa intestinal;
- Multiplicação nos tecidos linfóides;
- Evasão do sistema de defesa do hospedeiro, levando a doença de forma sistêmica.
A diarreia associada a salmonelose é mediada pela resposta inflamatória à infecção, existindo uma correlação positiva entre a severidade das lesões histopatológicas detectadas na mucosa do íleo e o volume de secreção de fluido.
A liberação das endotoxinas, prostaglandinas e citocinas pró-inflamatórias (interleucinas e fator de necrose α) também promovem aumento da permeabilidade vascular e hipersecreção.
A descamação das células epiteliais intestinais leva a hemorragia aguda, produção de fibrina, má digestão e má absorção.
O estado hiperosmótico resultante dentro do lúmen do intestino atrai o líquido para o trato intestinal, contribuindo para uma perda de água, sódio, potássio e bicarbonato. Danos na mucosa também contribuem para a perda de proteínas, resultando em hipoproteinemia.
Alguns sorovares como S. Dublin e algumas cepas de S. Typhimurium possuem como característica de virulência um plasmídeo que carrega um gene SpV, que promove a sobrevivência da Salmonella nos macrófagos. Associado a isso, a capacidade de sobreviver intracelularmente dentro das células reticuloendoteliais de fígado e baço, gânglios linfáticos e macrófagos contribuem para a virulência.
Sinais clínicos da salmonelose
Em relação às características da infecção, a Salmonella é um agente invasivo, associado a severas lesões de mucosa, infecção dos linfonodos e pode resultar em um quadro de septicemia nos bezerros.
As fezes podem ter:
- Leve redução do volume;
- Odor desagradável;
- Presença de sangue;
- Rajadas de fibrina;
- Presença de muco.
Ao contrário da maioria dos outros patógenos associados à diarreia, a salmonelose é comumente associada a febre, anorexia, depressão e pode ou não ser concomitante à desidratação.
Outras lesões podem ser observadas durante o exame post mortem e nestas se incluem congestão pulmonar e hemorragias na submucosa e subserosa, presença de petéquias em vários órgãos, incluindo intestinos e coração.
Podem ser identificadas inflamação da bexiga urinária e evidências histopatológicas de colecistite, edema de aumento e hemorragia também são observadas nos linfonodos mesentéricos, além disso, erosões na mucosa abomasal podem ser observadas, particularmente em infecções por Salmonella Dublin.
Imagem demonstrando depósitos de fibrina no intestino delgado de bezerros com salmonelose. B. Enterite catarral hemorrágica em bezerros com salmonelose. Fonte: Mohler et al., 2009
Bezerros morrendo de salmonelose apresentam comumente bacteremia, sendo assim, o isolamento de Salmonella de locais sistêmicos na necropsia fornece evidências robustas de causalidade, além de permitir realizar teste de sensibilidade microbiana, importantes para o tratamento de outros animais.
Se os animais foram sacrificados para necropsia durante uma investigação do rebanho, é mais importante coletar amostras de bezerros durante o estágio agudo da doença.
Espessamento da parede abomasal e erosão da mucosa e submucosa, que pode ser visto em quadros crônicos de salmonelose em bezerros. Fonte: Mohler et al., 2009
Tratamento da salmonelose
As principais características clínicas das infecções por Salmonella em bezerras são associadas a desidratação, desequilíbrios eletrolíticos, endotoxemia e bacteremia.
O tratamento consiste em reposição de fluido e eletrólitos pedidos, reduzir a cascata inflamatória pelo uso de anti-inflamatórios não esteroidais, e quando necessário antimicrobianos.
Durante um surto no rebanho, a idade dos bezerros afetados deve ser levada em consideração e instituída de forma profilática de hidratação e eletrólitos, visando prevenir o quadro de desidratação e acidose nas bezerras. É importante fazer o fornecimento do soro oral entre os aleitamentos.
Iniciar a fluidoterapia oral no início do curso da doença é mais efetivo já que neste momento, as bezerras ainda possuem bom reflexo de sucção.
Controle e prevenção
Como mencionado anteriormente, três variáveis determinam o efeito das interações hospedeiro-Salmonella: a imunidade do hospedeiro, a “dose” do patógeno e a virulência do patógeno.
Juntamente a isso, as condições ambientais também possuem um forte potencial de influenciar os efeitos das três variáveis.
Uma abordagem do controle de doenças já foi definida da seguinte forma:
- Remover a fonte de infecção do ambiente das bezerras.
- Remover as bezerras do ambiente contaminado.
- Aumentar a imunidade inespecífica das bezerras.
- Aumentar a imunidade específica das bezerras.
- Reduzir o estresse.
Fonte de infecção
A Salmonella pode ser introduzida na fazenda por alimentos contaminados, água, fertilizantes, animais infectados, animais selvagens, insetos, pessoas e equipamentos.
Por isso, o controle da Salmonella envolve um bom manejo alimentar, implementação de boas práticas de criação que evitem o comprometimento da imunidade das bezerras, gestão de resíduos, preparação e armazenamento adequado de forragens e alimentos, bom manejo nutricional e ambiental.
Maternidade e seus manejos
Os bezerros possuem inúmeras oportunidades de serem infectados por Salmonella, eles podem ser expostos, por exemplo, por material fecal da mãe durante o parto quando o bezerro é exposto ao ambiente ou quando estes entram em contato com a parte inferior da vaca quando tentam mamar.
Além disso, a Salmonella pode se proliferar em materiais de cama da baia maternidade onde a presença de umidade, por exemplo, favorece a proliferação.
Para minimizar os riscos de contaminação é importante controlar o tempo em que as vacas permanecem na baia maternidade, escolher o material da cama adequado, ter uma frequência adequada de troca da cama e também reduzir os riscos de exposição, evitando manter as bezerras por longos períodos na baia maternidade.
Imunidade
Associado aos manejos na higiene da maternidade, é essencial fornecer de adequada colostragem aos animais, realizar a devida cura de umbigo e associar a vacinação pré-parto das vacas e das bezerras no momento adequado.
Instalações
As bezerras devem ser mantidas em ambientes limpos, secos e confortáveis, com boa drenagem e que não seja exposto a fezes do gado adulto ou outras formas de infecção.
Manejo das bezerras doentes com Salmonella
Bezerras doentes podem liberar 10^9 Salmonella por grama de fezes, o que amplifica os níveis bacterianos do ambiente, além de contaminar o equipamento e os colaboradores do bezerreiro.
Existem duas linhas de abordagem no manejo das bezerras doentes:
1. Retirada rápida das bezerras infectadas para uma baia ou lote de enfermaria para tratamento, visando minimizar a contaminação do ambiente e reduzir o desafio para outras bezerras da área.
A alta prevalência de eliminação da Salmonella é observada em bezerras com 24 horas de idade, com manifestação da doença de 4 a 7 dias de idade, portanto a exposição à salmonela pode ter sido significativa no momento em que as bezerras doentes foram removidas.
Um ponto que pode ser um desafio é o uso de um lote ou baia para animais doentes, que pode ser uma fonte de infecção por patógenos mistos se não houver quarentena rigorosa e medidas apropriadas de procedimentos e gestão dos animais não forem mantidas.
2. Observação de que, no momento em que os bezerros infectados forem identificados, outros bezerros do grupo já foram expostos aos patógenos.
Portanto, a movimentação de bezerros pode ser contraindicada devido a potencial disseminação da Salmonella.
A decisão de mover os bezerros depende do número de bezerros afetados e restrições de espaço, diante de um surto da doença é importante ser capaz de quebrar o ciclo de infecção evitando a colocação de bezerras neonatos ao ambiente contaminado.
Antes de transportar as bezerras doentes é importante considerar a disponibilidade de ambiente limpo. Se o espaço limpo for limitado é interessante preservar essa área para os bezerros neonatos.
A Salmonella é um dos agentes mais prevalentes na casuística da diarreia de bezerras, diante do seu grande desafio de controle nas propriedades ao redor do mundo, é de grande importância conhecermos mais sobre o agente e entender como ser feito o manejo adequado da imunidade, ambiente e controle das propriedades leiteiras.
Dessa forma, reduzimos os riscos de as bezerras desenvolverem salmonelose, garantindo que estas atinjam seu potencial produtivo esperado no futuro e contribuam para a sustentabilidade do negócio.
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