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Vacas leiteiras com vista traseira

Desafios do deslocamento de abomaso: como garantir a saúde do rebanho?

O deslocamento de abomaso é uma condição frequente em bovinos leiteiros, especialmente em vacas de alta produção. Esse problema pode causar perdas significativas na produção de leite e comprometer a saúde dos animais, sendo essencial o reconhecimento precoce e o tratamento adequado.

Vamos discutir nesse texto sobre os tipos de deslocamento de abomaso, a caracterização de um dos principais tipos (deslocamento a esquerda) e as teorias a respeito da sua etiologia.

Além disso, vamos entender melhor as consequências desse quadro, como reconhecer, conduzir e tratar e por fim, como calcular a incidência desse problema na fazenda e interpretar.

O que é o deslocamento de abomaso e quais são os tipos?

O abomaso é a quarta câmara do estômago dos ruminantes e atua na digestão química dos alimentos por isso é conhecido como “estômago verdadeiro”.

O deslocamento de abomaso é definido como uma paratopia, onde o abomaso migra de sua posição anatômica original, no assoalho do abdômen tendendo parcialmente para a direita, para uma posição ectópica, ou seja, nada mais é do que o abomaso sair do lugar.

Esse deslocamento pode ocorrer tanto para esquerda quanto para direita, onde ele irá subir no abdômen para um dos lados.

  • Deslocamento de Abomaso à Esquerda (DAE): O abomaso se encontra entre o rúmen e a parede abdominal esquerda. Esse tipo de deslocamento é o que ocorre na maioria dos casos de deslocamento em vacas leiteiras (85 a 90%).
  • Deslocamento de Abomaso à Direita (DAD): O abomaso desloca-se totalmente para o lado direito da cavidade abdominal, com ou sem torção. Esse tipo de deslocamento ocorre apenas em cerca de 10 a 15% dos casos e curiosamente, em novilhas, mesmo que menos comum, há mais casos de deslocamento a direita. É considerado um tipo de deslocamento mais grave devido a possível presença de torção, a qual pode ser no sentido horário ou anti-horário, causando a torção dos vasos, podendo parar a circulação sanguínea e ocorrer necrose e produção de toxinas. No deslocamento a direita, diferente do deslocamento a esquerda (muito gás), temos uma grande quantidade de líquido, pois como houve a torção dos vasos e estase do fluxo sanguíneo, tem-se edema, extravasamento de líquido e proliferação bacteriana.

O que faz o órgão se deslocar para algum dos lados (esquerda ou direita) não é conhecido, entretanto, aparentemente é devido ao mesmo motivo. 

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Caracterização do deslocamento de abomaso à esquerda

Para ter deslocamento de abomaso:

  1. Obrigatoriamente deve haver acúmulo de gás, pois caso contrário o abomaso não sai do lugar;
  2. Para acumular gás, a dieta tem que ter carboidrato fermentável e pouca fibra;
  3. A vaca deve ter espaço suficiente na cavidade abdominal para que o abomaso se desloque, ou seja, se o rúmen estiver muito cheio ele não consegue deslocar;
  4. Hipomotilidade ou atonia do trato digestório, pois se o gás foi produzido no abomaso, ele deve permanecer um tempo lá para que o abomaso infle. Caso a taxa de passagem esteja normal, esse gás não permanece e consequentemente não desloca.

Incidência de deslocamento de abomaso à esquerda nos EUA

Incidência de deslocamento de abomaso à esquerda nos EUA no período de 1982 a 1995. Fonte: Kelton et al. (1997)

O motivo que justifica a maior incidência de deslocamento de abomaso no decorrer dos anos é o fato de que se começou a trabalhar com dietas mais fermentáveis (carboidratos). Quando isso acontece, começa a passar mais material fermentável para o abomaso e esse abomaso começa a se encher mais de gás.

Esse deslocamento compromete tanto a produtividade quanto a questão financeira:

A vaca pode encontrar a lactação normal dela se igualando a uma vaca saudável, mas isso dependerá de qual momento foi feito o diagnóstico e correção cirúrgica.

Curva de lactação estimada para 100 dias de lactação de vacas saudáveis ou com DAE

Curva de lactação estimada para 100 dias de lactação de vacas saudáveis ou com DAE. Fonte: Detilleux et al. (1996)

Visão de um corte transversal de uma vaca com e sem deslocamento de abomaso

Visão de um corte transversal de uma vaca com e sem deslocamento de abomaso à esquerda. A- Abomaso; B- Rúmen; C- Omaso. Fonte: Bolivar Faria.

Quais são as teorias sobre a etiologia do DAE?

  • Teoria mecânica: Nessa teoria, o fator que favorece o desenvolvimento do DAE seria a pressão exercida pelo útero gravídico no abomaso durante o final da gestação. O menor enchimento do rúmen permitiria um maior espaço na cavidade abdominal para que ocorra o DAE.

Útero gravídico (linhas tracejadas) comprimindo toda cavidade abdominal

Na imagem podemos observar a ilustração de um útero gravídico (linhas tracejadas) comprimindo toda cavidade abdominal, inclusive o rúmen, e quando essa vaca tem o parto, o útero reduz de tamanho e o abomaso passa a ter espaço para deslocar. 

Entretanto, quando avaliamos alguns estudos que levam em conta a incidência de deslocamento de abomaso nos dias de lactação, é possível perceber que não existe deslocamento de abomaso nos primeiros 4 a 5 dias de lactação, ou seja, em um momento que o útero já teria evoluído bastante e que a vaca já começa a se alimentar no pós-parto.

Se essa teoria fosse certeira, teríamos sempre a maior incidência de deslocamento no dia do parto ou um dia depois. O que observamos é que a maior incidência desse problema ocorre na segunda semana de lactação.

Gráfico demonstrando a disposição de dias de diagnóstico em 54 casos de deslocamento de abomaso à esquerda

Gráfico demonstrando a disposição de dias de diagnóstico em 54 casos de deslocamento de abomaso à esquerda. Fonte: Varden (1979)

  • Doenças concorrentes: Essa teoria sustenta que qualquer problema que a vaca tenha (retenção de placenta, metrite, hipocalcemia…) e que ocorra a produção de endotoxinas, histaminas e epinefrinas levaria a uma queda da motilidade abomasal.

Gráfico mostrando em vermelho que vacas com deslocamento de abomaso e que tiveram alguma outra doença ao mesmo tempo e em verde, vacas deslocadas mas sem presença de outra doença.

Gráfico mostrando em vermelho que vacas com deslocamento de abomaso e que tiveram alguma outra doença ao mesmo tempo e em verde, vacas deslocadas mas sem presença de outra doença.

Isso retrata que é mais comum o diagnóstico de deslocamento de abomaso em conjunto a outra doença concorrente (principalmente a cetose) e isso ocorre pelo fato de que a vaca deslocada reduz a ingestão de matéria seca, o que automaticamente mobiliza mais reserva corporal e produção alta de corpos cetônicos.

Relação entre algumas doenças metabólicas no período de transição

Relação entre algumas doenças metabólicas no período de transição. Fonte: Bolivar Faria

Uma dica importante então é que sempre ao corrigir o deslocamento de abomaso, seja realizado também tratamentos de suporte, como a administração de Drench com propilenoglicol e com uma quantidade boa de cálcio, além disso, avalie metrite nesse animal e a necessidade de antibioticoterapia já direciona a metrite e não apenas na recuperação da cirurgia. Isso tudo contribui bastante na recuperação da vaca e na produção de leite.

Algumas doenças relacionadas ao periparto de 1063 vacas e sua associação ao DAE

Algumas doenças relacionadas ao periparto de 1063 vacas e sua associação ao DAE. Fonte: Leblanc et al. (2005).

Consequências do deslocamento de abomaso

Dentre as consequências desse quadro de deslocamento, podemos citar:

  • Diminuição na ingestão de alimentos;
  • Desidratação;
  • Emagrecimento e redução significativa na produção de leite;
  • Queda na eficiência reprodutiva e aumento da susceptibilidade a outras doenças, como cetose e metrite;
  • Se não tratada adequadamente, pode resultar em úlceras hemorrágicas​ que ultrapassam o tecido abomasal podendo gerar peritonite.

Como reconhecer um quadro de deslocamento de abomaso?

Os sinais clínicos podem variar, mas incluem:

  • Animal diminui consumo de alimento e produção de leite;
  • Comportamento alterado: letargia e isolamento do rebanho;
  • Fezes mais pastosas com fibras pequenas e menor quantidade, podendo ter diarreia;
  • Apetite selecionador onde prefere volumoso e rejeita concentrado;
  • Som metálico na auscultação com percussão: com auxílio de um estetoscópio consigo identificar a presença de ping metálico.

Quando há deslocamento de abomaso para a esquerda, o curso da doença pode ser mais longo.

Apesar de mudar sua posição anatômica, ele não torce e, assim, continua tendo fluxo do abomaso para o intestino. Nesse caso, o animal vai ter perda da condição corporal, desidratação, distúrbio ácido-base, mas menos intenso.

Quando o abomaso deslocado, há retenção do ácido clorídrico e não vai haver absorção do hidrogênio, assim, animal pode entrar em alcalose hipoclorêmica e hipocalêmica (falta potássio e cloro no sangue) e alcalose metabólica. As vacas conseguem viver com o abomaso deslocado por muito tempo sendo não urgente, mas é desejável que o tratamento seja realizado o quanto antes.

Como conduzir e tratar?

Devolver o abomaso à sua posição original ou aproximada: baseia-se em método cirúrgico, onde há várias técnicas, onde a escolha da técnica dependerá exclusivamente da preferência do cirurgião:

  1. Flanco esquerdo;
  2. Flanco direito;
  3. Omentopexia;
  4. Abomasopexia;
  5. Fixação às cegas.

A utilização da técnica de omentopexia é bastante comum em casos de deslocamento à esquerda e nela haverá a recuperação da posição do órgão trazendo da esquerda para direita e no deslocamento a direita devo me preocupar a desfazer a torção e fazer a fixação do órgão.

Na correção do deslocamento a direita, é importante que o líquido acumulado seja retirado, devido a presença de toxinas, pois ao retornar o órgão para a sua posição anatômica após a distorção, há a passagem desse conteúdo para o intestino, onde essas toxinas presentes são absorvidas e podem levar o animal a óbito por um problema septicêmico grave.

  • É importante ressaltar que o DAE não é considerado uma cirurgia de emergência porque não tem estase venosa, já o DAD é necessário uma cirurgia emergencial.
  • Corrigir o balanço eletrolítico do animal e a desidratação.
  • Providenciar tratamento adequado para as doenças associadas: Buscar compreender o motivo da manifestação da doença como por exemplo cetose e instituir tratamento adequado para a causa primária.

Como calcular a incidência do deslocamento de abomaso?

A incidência será:

Incidência do deslocamento de abomaso

Mas quem é a população em risco?

A vaca que teve um pato e estiver no período de transição.

Incidência DAE

Qual a incidência aceitável?

Incidência de deslocamento de abomaso aceitável

Essa incidência de deslocamento hoje vem sendo muito questionada e muitos autores já dizem que deve ser menor que 1%, números esses que já são alcançados em muitas fazendas.

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Gabriela Clarindo - Equipe Leite Rehagro

Laryssa Mendonça

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