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Retenção de placenta em vacas leiteiras: fisiologia, imunidade e estratégias de prevenção

Vaca leiteira durante parto

A retenção de placenta em vacas leiteiras é uma das enfermidades reprodutivas mais relevantes no período pós-parto imediato, impactando diretamente a saúde uterina, a fertilidade e o desempenho produtivo do rebanho.

Considerada multifatorial, sua ocorrência está fortemente relacionada à integridade do sistema imunológico, ao manejo nutricional e às condições ambientais do periparto.

Segundo Nobre et al. (2012), a prevalência de retenção de placenta em um rebanho mestiço em Minas Gerais foi de 12,8%, número expressivamente superior ao observado em países como Nova Zelândia (2%), EUA (7,7%) e Israel (8,4%).

Essa diferença reforça a necessidade de um olhar clínico e preventivo mais atento aos fatores de risco associados à retenção de placenta em vacas leiteiras, principalmente em sistemas tropicais.

Neste artigo, você entenderá como a fisiologia reprodutiva bovina e o sistema imunológico materno interagem no processo de separação placentária, por que a falha nessa interação favorece a retenção e quais fatores — como nutrição, estresse, saúde metabólica e manejo pré-parto — precisam ser ajustados para garantir a imunocompetência das vacas e reduzir significativamente a ocorrência dessa condição.

 

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O que é retenção de placenta e quais suas consequências?

Clinicamente, considera-se retenção de placenta a falha na expulsão das membranas fetais por um período superior a 12 horas após o parto. Essa condição está diretamente ligada a complicações como:

Fourichon et al. (2000) demonstram que vacas acometidas com retenção placentária apresentam de 2 a 3 dias a mais até o primeiro serviço, e redução de 4 a 10% na taxa de concepção no primeiro serviço, gerando um atraso reprodutivo médio de 6 a 12 dias para a concepção.

Além do comprometimento direto do útero, estudos recentes (Ribeiro et al., 2024) sugerem que a retenção de placenta pode ser um importante fator de risco secundário para outras enfermidades, como a mastite, ao servir como foco de agentes patogênicos.

Como a imunidade da vaca influencia na expulsão da placenta?

Embora os mecanismos hormonais sejam fundamentais para o parto e a expulsão das membranas fetais, a imunidade materna exerce um papel igualmente decisivo na ruptura dos placentômeros e na liberação efetiva da placenta.

Durante o parto, ocorre um aumento da concentração de citocinas inflamatórias — principalmente interleucina-8 (IL-8) — que atrai neutrófilos para o local da interface materno-fetal. Esses leucócitos desempenham papel ativo na liberação enzimática, produção de radicais livres e ativação de colagenases, facilitando a separação das membranas.

Outro ponto importante é o reconhecimento imunológico do MHC Classe I fetal. A placenta possui células fetais que expressam esses antígenos, e a resposta materna a eles contribui para o processo inflamatório fisiológico necessário para o descolamento. Vacas com sistema imune comprometido (por doenças, estresse ou deficiências nutricionais) têm menor ativação dessas vias, aumentando o risco de aderência persistente.

Além disso, o equilíbrio redox da placenta — a capacidade antioxidante para neutralizar espécies reativas de oxigênio — influencia diretamente a síntese de estrogênio e prostaglandinas, fundamentais para o parto. Quando esse equilíbrio é rompido, a expulsão da placenta fica comprometida.

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Fatores que comprometem a imunidade e favorecem a retenção de placenta

1. Nutrição: o combustível da resposta imune

O balanço energético negativo (BEN) no periparto é uma das principais causas de imunossupressão. Segundo Ingvartsen e Moyes (2013), nutrientes como glicose, ácidos graxos, aminoácidos (ex: glutamina), vitaminas e minerais (como selênio e zinco) são fundamentais para uma resposta imune eficiente.

Além disso, antioxidantes como vitamina E e selênio protegem as células placentárias do estresse oxidativo e favorecem a produção hormonal adequada. O escore de condição corporal (ECC) ideal ao parto deve estar entre 3,25 e 3,75. Valores fora dessa faixa aumentam o risco de doenças metabólicas e retenção placentária.

2. Estresse: o grande inibidor da imunidade funcional

O estresse ativa o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, elevando o cortisol, que a curto prazo modula a imunidade, mas a longo prazo suprime a resposta imune.

Estresse térmico, superlotação, partos difíceis ou manejo brusco são fatores que agravam o risco de retenção de placenta.

3. Distúrbios metabólicos: hipocalcemia e contratilidade uterina

O cálcio é essencial para a contratilidade uterina. A hipocalcemia (baixa de cálcio no sangue) é altamente prevalente no pós-parto e impede contrações efetivas, dificultando a expulsão das membranas fetais.

A suplementação oral de cálcio no parto e o uso de dietas com DCAD negativo no pré-parto são estratégias eficazes para prevenir a hipocalcemia e, consequentemente, reduzir a retenção placentária.

Estratégias para garantir uma boa imunidade e prevenir a retenção de placenta

1. Nutrição de precisão no pré e pós-parto

  • Dietas balanceadas com energia, proteína e antioxidantes;
  • Suplementação com vitamina E, selênio e zinco;
  • Controle do ECC e ajuste do DCAD.

2. Ambiente e manejo

  • Locais tranquilos, ventilados e com sombra;
  • Redução de movimentações e estresse periparto;
  • Partos assistidos com cuidado.

3. Prevenção de doenças metabólicas

4. Monitoramento individualizado

  • Identificação de animais de risco (partos gemelares, vacas mais velhas);
  • Suporte imunológico e nutricional adaptado.

Conclusão

A retenção de placenta não deve ser encarada como um evento isolado, mas como um indicador clínico da imunocompetência da vaca. Ela resulta de falhas integradas entre o sistema imune, o equilíbrio hormonal e o manejo ambiental e nutricional.

A adoção de práticas preventivas bem definidas — incluindo nutrição balanceada, manejo reprodutivo cuidadoso e ambiente de transição de qualidade — é fundamental para minimizar os casos de retenção, melhorar a saúde uterina e garantir uma reprodução mais eficiente e sustentável.

Reprodução saudável para mais prenhezes e mais leite no tanque

A retenção de placenta impacta a saúde uterina, atrasa o retorno à reprodução e pode reduzir a produtividade do rebanho.

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Isabella Machado - Equipe Leite Rehagro

Laryssa Mendonça

Referências

  • Attupuram, N. M., et al. (2016). Cellular and Molecular Mechanisms Involved in Placental Separation in the Bovine: A Review. Molecular Reproduction and Development, 83(4), 287–297. https://doi.org/10.1002/mrd.22635
  • Bagath, M., et al. (2019). The Impact of Heat Stress on the Immune System in Dairy Cattle: A Review. Research in Veterinary Science, 126, 94–102. https://doi.org/10.1016/j.rvsc.2019.08.011
  • Beagley, J. C., et al. (2010). Physiology and Treatment of Retained Fetal Membranes in Cattle. Journal of Veterinary Internal Medicine, 24(2), 261–268. https://doi.org/10.1111/j.1939-1676.2010.0473.x
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  • Hanzen, C., & Rahab, H. (2024). Propaedeutic and Therapeutic Practices Used for Retained Fetal Membranes by Rural European Veterinary Practitioners. Animals, 14(7), 1042. https://doi.org/10.3390/ani14071042
  • Ingvartsen, K. L., & Moyes, K. (2013). Nutrition, Immune Function and Health of Dairy Cattle. Animal, 7, 112–122. https://doi.org/10.1017/S175173111200170X
  • Nobre, M. M., et al. (2012). Avaliação da incidência e fatores de risco da retenção de placenta em vacas mestiças leiteiras. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, 64(1), 101–107. https://doi.org/10.1590/S0102-09352012000100015
  • Ribeiro, D., et al. (2024). Retained Placenta as a Potential Source of Mastitis Pathogens in Dairy Cows. Applied Sciences, 14(12), 4986. https://doi.org/10.3390/app14124986
  • Van Werven, T., et al. (1992). The Effects of Duration of Retained Placenta on Reproduction, Milk Production, Postpartum Disease and Culling Rate. Theriogenology, 37(6), 1191–1203. https://doi.org/10.1016/0093-691X(92)90175-Q

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