O manejo alimentar das bezerras leiteiras nas primeiras semanas de vida é determinante para o desenvolvimento ruminal, a eficiência alimentar e o desempenho produtivo futuro.
Entre os componentes mais estratégicos da dieta está a introdução precoce da forragem, essencial para estimular a colonização microbiana e o crescimento das papilas ruminais — fatores fundamentais para a maturação do rúmen.
Mas qual o momento ideal para introduzir a forragem? Quais tipos são mais indicados? E como equilibrar seu fornecimento com o concentrado para garantir os melhores resultados zootécnicos?
Neste artigo, abordamos, de forma técnica e aplicada, as principais estratégias de uso de forragem para bezerras leiteiras, apoiadas em evidências científicas e práticas de campo.
Sem tempo para ler agora? Baixe este artigo em PDF!
O papel da forragem no desenvolvimento ruminal
Ao nascimento, o rúmen das bezerras é funcionalmente inativo, representando menos de 25% do volume total do estômago. Nessa fase, a nutrição é baseada em colostro e leite (ou sucedâneo lácteo), sendo o abomaso o principal compartimento funcional.
Contudo, para que a bezerra possa fazer a transição para dietas sólidas e alcançar um bom desempenho futuro, é necessário estimular o desenvolvimento precoce do rúmen.
Estímulo microbiano e produção de AGVs
A introdução de carboidratos fermentáveis, como os encontrados nos concentrados e na forragem, favorece a colonização microbiana celulolítica no rúmen. Esse processo fermentativo gera ácidos graxos voláteis (AGVs), especialmente propionato e butirato, que têm papel direto no crescimento das papilas ruminais:
- Propionato: participa da gliconeogênese hepática.
- Butirato: estimula a proliferação celular do epitélio ruminal.
Efeitos zootécnicos observados
Estudos mostram que bezerras que recebem forragem de qualidade desde cedo apresentam:
- Maior atividade ruminal e motilidade gástrica.
- Melhor ganho de peso diário (GPD).
- Menor incidência de distúrbios digestivos.
Quando combinada a um concentrado balanceado, a forragem otimiza a digestibilidade, acelera o crescimento e favorece a transição para uma dieta sólida, especialmente durante o desaleitamento.
Benefícios diretos da forragem na alimentação de bezerras leiteiras
A inclusão estratégica de forragem para bezerras leiteiras oferece uma série de vantagens zootécnicas e fisiológicas quando bem manejada. Não se trata apenas de introduzir fibra, mas de promover estímulos fisiológicos fundamentais para a saúde e o desempenho do animal a curto, médio e longo prazo.
- Estabilização do pH ruminal: A fibra efetiva presente na forragem estimula a mastigação e, consequentemente, a salivação. A saliva é rica em bicarbonato, um agente tamponante natural que ajuda a manter o pH ruminal estável, prevenindo quadros de acidose subclínica — comuns quando há consumo exclusivo de concentrado.
- Estímulo da motilidade ruminal: A ação mecânica da mastigação estimula a musculatura da parede do rúmen, promovendo o desenvolvimento da motilidade gástrica e favorecendo a mistura e o esvaziamento do conteúdo ruminal. Isso contribui para uma fermentação mais homogênea e eficiente.
- Aumento da saciedade e redução de comportamentos anormais: O fornecimento de forragem também ajuda a reduzir comportamentos estereotipados, como a mamada cruzada ou a ingestão de objetos não comestíveis. Isso ocorre porque a fibra promove maior tempo de ruminação e saciedade, favorecendo o bem-estar animal.
- Facilidade na transição alimentar: A presença de forragem na dieta desde as primeiras semanas prepara a bezerra para a fase de desaleitamento, facilitando a adaptação à dieta sólida. Isso reduz o estresse nutricional e melhora a continuidade do ganho de peso nessa fase crítica.
- Melhora no desempenho zootécnico: Bezerras alimentadas com dietas balanceadas que incluem forragem de qualidade apresentam, de forma consistente:
- Maior ganho de peso diário (GPD).
- Melhor conversão alimentar.
- Redução de enfermidades digestivas, como timpanismo e enterotoxemia.
Além disso, há um impacto positivo na idade ao primeiro parto, com animais atingindo precocemente o peso ideal para a cobertura, o que melhora os índices reprodutivos e produtivos do rebanho.
Tipos de forragem e o momento ideal para introdução
Nem toda forragem é adequada para bezerras leiteiras em fase inicial. A escolha correta deve considerar características como digestibilidade, teor de fibra, composição nutricional e segurança sanitária.
A seguir, uma visão comparativa dos principais tipos utilizados:
Cronologia da introdução da forragem
- A partir da 2ª semana de vida: introdução de pequenas quantidades de feno macio e seco, como o de alfafa, para estimular a mastigação e a colonização microbiana ruminal.
- Entre 6 e 8 semanas: o consumo de concentrado deve alcançar pelo menos 1 kg/dia antes que se aumente significativamente a quantidade de forragem.
- Pós-desaleitamento: a inclusão de forragens mais estruturadas e energéticas, como a silagem de milho, pode ser feita de forma gradual, adaptando a bezerra à alimentação de ruminante adulto.
Estratégias práticas para o fornecimento de forragem em bezerras leiteiras
Para garantir que os benefícios do uso de forragem para bezerras leiteiras sejam efetivos, o fornecimento precisa seguir critérios técnicos que considerem qualidade, quantidade, ambiente e interação com outros componentes da dieta.
1. Priorize forragens de alta qualidade
Evite qualquer forragem com odor desagradável, presença de mofo, excesso de lignina ou partículas muito longas. O ideal é que o material:
- Tenha boa digestibilidade;
- Possua textura macia;
- Esteja livre de contaminantes físicos e microbiológicos.
Forragens mal conservadas podem comprometer a saúde ruminal e aumentar o risco de enterotoxemias.
2. Não force o consumo
Bezerras devem ter acesso livre à forragem, sem imposição de quantidade. O objetivo é estimular o comportamento de mastigação e permitir que elas regulem naturalmente o consumo, à medida que o rúmen se desenvolve.
3. Equilibre o consumo de concentrado e forragem
O excesso de fibra pode limitar o consumo energético total da dieta, prejudicando o ganho de peso.
Um erro comum é introduzir grande volume de forragem muito cedo, reduzindo o interesse pelo concentrado, que é a principal fonte de energia nesse estágio. O ideal é que a forragem complemente a dieta sem competir com o concentrado.
4. Água sempre disponível e limpa
A água é o nutriente mais negligenciado, mas essencial para a digestão da fibra e para o bom funcionamento do rúmen.
Mesmo bezerras em aleitamento devem ter acesso irrestrito à água limpa e fresca desde o segundo ou terceiro dia de vida.
5. Monitoramento contínuo do consumo
A observação diária do comportamento alimentar é fundamental para:
- Identificar possíveis recusas ou alterações de consumo;
- Ajustar o balanceamento da dieta conforme o crescimento do animal;
- Prevenir doenças relacionadas à nutrição.
6. Ambiente e estrutura de cocho adequados
Bezerras precisam de espaço suficiente no cocho para evitar competição, especialmente quando criadas em grupo. A estrutura deve permitir fácil acesso à forragem, evitando contaminação por fezes, umidade ou acúmulo de material velho.
Considerações finais
O fornecimento de forragem para bezerras leiteiras não deve ser visto como um detalhe opcional, mas como um componente estratégico no programa de criação de novilhas de alta performance. Quando feito de forma planejada, ele contribui diretamente para:
- Um desenvolvimento ruminal mais rápido e eficiente;
- Menor incidência de transtornos digestivos;
- Melhor desempenho zootécnico;
- Antecipação da idade ao primeiro parto;
- Maior retorno econômico no médio e longo prazo.
A implementação correta dessas práticas requer conhecimento técnico e observação constante, mas os resultados são comprovadamente vantajosos tanto para o bem-estar animal quanto para a eficiência produtiva da fazenda.
Aumente a produtividade, lucratividade e qualidade do leite!
Com a Pós-graduação em Pecuária Leiteira, você terá acesso a um programa completo que aborda desde o manejo do rebanho até as melhores estratégias para nutrição animal. Além disso, contará com professores renomados e uma metodologia de ensino focada na aplicação prática dos conhecimentos adquiridos.
Invista na sua carreira e torne-se um especialista em pecuária leiteira com nossa pós-graduação. Adquira novas habilidades, amplie sua rede de contatos e esteja preparado para os desafios do mercado!
Referências
- NRC – National Research Council. Nutrient Requirements of Dairy Cattle. 7th ed. Washington, DC: National Academies Press, 2001. Disponível em: https://www.nap.edu/catalog/9825/nutrient-requirements-of-dairy-cattle-seventh-revised-edition-2001
- Heinrichs, A. J. & Jones, C. M. (2016). Feeding the dairy calf and heifer. PennState Extension. Disponível em: https://extension.psu.edu/feeding-the-dairy-calf-and-heifer
- Quigley, J. D. (2011). Effects of forage on rumen development in dairy calves. Animal Feed Science and Technology, 164(1), 115–124. DOI: https://doi.org/10.1016/j.anifeedsci.2010.11.022
- Khan, M. A., Weary, D. M., & von Keyserlingk, M. A. G. (2011). Invited review: Effects of milk ration on solid feed intake, weaning, and performance in dairy heifers. Journal of Dairy Science, 94(3), 1071–1081. DOI: https://doi.org/10.3168/jds.2010-3733
- Drackley, J. K. (2008). Calf nutrition from birth to breeding. Veterinary Clinics: Food Animal Practice, 24(1), 55–86. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cvfa.2007.10.002
Comentar