Na pecuária de corte brasileira, o capim não é apenas alimento, é a base de todo o sistema produtivo. Mas, assim como qualquer outro recurso natural, ele é influenciado pelas estações do ano. Com o avanço da seca ou do frio em várias regiões do país, a produtividade das pastagens cai drasticamente.
Esse período, conhecido como entressafra de pastagens, representa um dos maiores desafios para os produtores que dependem da pastagem como fonte primária de nutrição animal.
A entressafra é caracterizada por uma combinação de fatores: menor crescimento do capim, queda na qualidade nutricional da forragem e maior competição por recursos dentro do sistema produtivo. O resultado? Diminuição do ganho de peso dos animais, perda de eficiência alimentar e, em muitos casos, prejuízo econômico direto.
Mesmo sabendo da existência desse período todos os anos, muitos projetos pecuários ainda enfrentam os efeitos da entressafra de forma reativa, e não estratégica. E é justamente essa a diferença entre uma pecuária de risco e uma pecuária com visão de longo prazo.
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Os desafios nutricionais enfrentados na entressafra
Durante a entressafra de pastagens, a natureza impõe um teste à eficiência da pecuária de corte: como manter o desempenho dos animais quando a principal fonte de alimento perde volume e qualidade? Sem planejamento, os impactos podem ser severos.
Redução na disponibilidade de forragem
Com a diminuição das chuvas e a queda das temperaturas, o crescimento das pastagens desacelera ou simplesmente para. Espécies como Brachiaria e Panicum são altamente produtivas na estação das águas, mas têm sua produção forrageira reduzida em até 70% na seca, dependendo da região e do tipo de solo.
Esse déficit de massa verde compromete o fornecimento de matéria seca para os animais, principalmente em sistemas que não contam com forragem conservada.
Queda acentuada na qualidade nutricional
Além do volume, a qualidade do capim também sofre. Durante a entressafra, a planta entra em senescência (envelhecimento), o que resulta em:
- Redução no teor de proteína bruta;
- Aumento da fibra indigestível (FDN e FDA);
- Menor digestibilidade total da forragem.
Esses fatores reduzem o valor nutritivo do pasto, impactando diretamente o consumo voluntário e o desempenho dos animais.
Consequências no desempenho animal
Sem ajustes nutricionais adequados, os reflexos aparecem rapidamente:
- Redução no ganho médio diário (GMD);
- Comprometimento do escore corporal;
- Maior tempo para o abate (no caso de recria e terminação);
- Baixa taxa de prenhez das matrizes.
Estudos mostram que um boi em recria, sem suplementação adequada na seca, pode ter seu GMD reduzido para menos de 200 g/dia, enquanto na época das águas pode ultrapassar 800 g/dia com o mesmo sistema base.
Impacto econômico direto
Quando não se antecipa à entressafra, o custo é maior:
- Compra emergencial de ração ou silagem a preços mais altos;
- Maior lotação por hectare sem suporte forrageiro;
- Perda de margem na venda de animais mal acabados;
- Necessidade de venda de animais para diminuir a lotação da fazenda, pois a capacidade de suporte está baixa.
Esses gargalos revelam o quanto o planejamento nutricional não é um luxo, mas uma necessidade técnica e financeira.
Como transformar a entressafra de pastagens em oportunidade?
Na pecuária, a diferença entre prejuízo e lucro muitas vezes está na capacidade de antecipar o problema e não apenas remediá-lo. A entressafra, apesar de seus riscos, também pode ser um momento-chave para otimizar recursos, planejar o futuro do rebanho e ganhar vantagem competitiva.
A entressafra como aliada da produtividade
Parece contraditório, mas produtores que se antecipam ao período seco conseguem, inclusive, aumentar a eficiência do sistema durante a entressafra. Como?
- Reduzindo a dependência de compras emergenciais de insumos;
- Ajustando a taxa de lotação do pasto com base em diagnósticos forrageiros;
- Incorporando estratégias de suplementação de forma econômica e técnica;
- Utilizando o período para recuperar pastagens degradadas ou reformar piquetes.
Ou seja: enquanto muitos estão “apagando incêndios”, quem se planejou está organizando o ciclo seguinte com calma e controle de custos.
Custo sob controle, margem preservada
Ao trabalhar com silagem/pré-secado, pastejo diferido e suplementação ajustada ao perfil do rebanho, o pecuarista consegue manter os ganhos dos animais com menor custo por arroba produzida. O segredo está na antecipação.
Tecnologias e inteligência nutricional
Hoje, o acesso a ferramentas de gestão nutricional e planejamento forrageiro é mais acessível do que nunca. Planilhas de projeção de matéria seca, plataformas digitais e apoio técnico especializado ajudam o produtor a tomar decisões baseadas em dados, e não em intuição.
Além disso, a adoção de protocolos claros para cada fase do ano facilita o envolvimento da equipe da fazenda e garante um processo contínuo de melhoria da eficiência zootécnica.
Como fazer um planejamento eficiente para a entressafra?
Planejar a entressafra não é sobre reagir ao pasto seco, mas sim agir meses antes, prevendo o comportamento da forragem, o consumo do rebanho e os recursos disponíveis. Um bom planejamento permite que a fazenda supere a escassez sem comprometer o desempenho animal nem o fluxo financeiro.
1. Avaliação e diagnóstico forrageiro
Antes de definir qualquer estratégia, é necessário entender o que você tem disponível em termos de pastagem. Isso envolve:
- Medir a produção de massa seca (MS) disponível por piquete;
- Estimar o consumo diário de MS por categoria animal (em média, 2 a 2,5% do peso vivo);
- Estabelecer a capacidade de suporte da área, especialmente para os meses secos.
2. Definição de metas por categoria animal
Planeje o que você espera de cada categoria (recria, engorda, matrizes) no período seco. Isso ajuda a definir:
- A intensidade da suplementação necessária;
- A viabilidade de manter ou reduzir lotação;
- Prioridades de alimentação por grupo (ex: foco em matrizes gestantes).
3. Estratégias de conservação e diferimento
Entre as alternativas mais usadas para reforçar a oferta de forragem na entressafra, destacam-se:
- Silagem de milho ou sorgo: alta densidade energética e armazenamento seguro.
- Silagem de capim: algumas gramíneas produzem boa oferta de forragem, e podem ser utilizadas para uma silagem de qualidade;
- Feno: útil para dietas de manutenção.
- Capineiras: permitem colheita escalonada.
- Pastejo diferido: técnica de vedação de áreas no final das águas para uso controlado na seca. Pode garantir forragem com 6 a 8% de PB (dependendo da espécie).
4. Suplementação estratégica
A suplementação é essencial para:
- Corrigir a deficiência de proteína da pastagem seca;
- Estimular a digestão da fibra;
- Garantir ganho de peso ou manutenção.
Tipos comuns:
- Suplemento proteico (0,1 a 0,3% do peso vivo/dia);
- Suplemento proteico-energético;
- Sequestro estratégico de parte do rebanho.
O custo-benefício varia conforme o objetivo zootécnico e o custo do kg do suplemento.
Tendências e inovações no manejo da entressafra
Se antes a entressafra era sinônimo de perda, hoje ela pode ser uma etapa otimizada com inteligência, tecnologia e integração. As inovações que vêm sendo adotadas por fazendas de diferentes portes mostram que a pecuária está mais estratégica do que nunca.
Suplementação de precisão baseada em dados
A suplementação está se tornando cada vez mais direcionada por informação e análise, e não mais pela média genérica de consumo. Isso inclui:
- Pesagem frequente de animais com balanças automatizadas;
- Cálculo dinâmico de exigências nutricionais com base em peso real, ganho esperado e categoria;
- Ajuste do fornecimento em tempo real.
Adoção de aditivos nutricionais e tecnologias de liberação controlada
A indústria tem avançado no desenvolvimento de aditivos para aumentar a eficiência da dieta, mesmo com forragens de menor qualidade. Entre os destaques:
- Ureia protegida, que libera nitrogênio de forma mais gradual;
- Aditivos que favorecem a digestibilidade da fibra;
- Probióticos que ajudam a manter a saúde ruminal e o desempenho.
Essas tecnologias permitem melhor aproveitamento das pastagens secas e fibrosas, reduzindo a necessidade de inclusão de ingredientes energéticos caros.
Integração Lavoura-Pecuária (ILP) como reforço nutricional
A integração lavoura-pecuária (ILP) tem se consolidado como estratégia poderosa para geração de forragem de alta qualidade, especialmente para o período seco. Após a colheita da soja, muitos produtores têm implantado:
- Capim (ex: braquiária) consorciado com milho safrinha;
- Pastagens em áreas reformadas, com melhor fertilidade e vigor;
- Silagem produzida com milho de ILP, reduzindo o custo por tonelada.
Conclusão
A entressafra de pastagens é sim um período desafiador. Mas, como vimos ao longo deste artigo, também pode ser uma etapa estratégica, desde que encarada com conhecimento, preparo e gestão técnica.
Portanto, se há um recado claro a ser deixado aqui, é este: Não espere a seca começar para pensar na seca.
Quem planeja a entressafra com antecedência protege o rebanho, a produtividade e o lucro, e ganha controle sobre o futuro do seu projeto pecuário.
Supere os desafios da entressafra com conhecimento técnico e estratégia
A entressafra é um dos maiores testes para a eficiência da produção de gado de corte. Manter o desempenho nutricional do rebanho sem comprometer os resultados exige domínio técnico, planejamento e tomadas de decisão mais seguras.
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