A ocitocina é frequentemente utilizada de forma exógena na rotina de ordenha para estimular a descida do leite. Esse hormônio, no entanto, também desempenha um papel fundamental no momento do parto, promovendo a contração uterina.
Surge então uma dúvida comum: por que a aplicação de ocitocina durante a lactação não provoca aborto nas vacas?
Fisiologia do momento do parto
Durante o período de transição, as vacas passam por intensas adaptações metabólicas e hormonais que envolvem o útero gravídico e a glândula mamária. Essas mudanças se iniciam ainda na gestação e se estendem até o pós-parto imediato.

Concentração sérica dos hormônios ao longo dos dias em relação ao parto. Fonte: BELL, 1995.
- Glicocorticóides (cortisol): se mantém em níveis basais durante a gestação. Em torno de 2 – 3 dias antes do parto, os níveis desse hormônio começam a subir e alcançam seu pico no dia do parto.
- GH: se mantém em níveis relativamente basais de forma geral e aumenta gradualmente no final da gestação, devido ao desenvolvimento da glândula mamária e se mantém elevado após o parto.
- Prolactina: o pico de prolactina ocorre pré-parto, e no dia do parto da vaca suas concentrações começam a cair de forma pouco significativa. A queda mais expressiva ocorre em torno de 2 a 3 dias antes do parto, e após a progesterona se manterá nos níveis mínimos.
- Progesterona: a progesterona se mantém alta por todo o período gestacional da vaca. Começa a ocorrer uma queda mais significativa entre 2 a 3 dias antes do parto. Após esse período ela se mantém em níveis basais.
- Estrógeno: o estrógeno se mantém em níveis basais durante toda a gestação, no momento em que a progesterona começa a cair em torno de 2 a 3 dias antes do parto as concentrações de estrógeno começam a aumentar significativamente.
Liberação da ocitocina no parto
Durante o parto, a ocitocina é essencial para intensificar as contrações uterinas nos últimos estágios do parto.
Ela é liberada pela hipófise quando o bezerro entra no canal do parto, estimulando a compressão da cérvix — um mecanismo conhecido como reflexo de Ferguson. Esse reflexo desencadeia contrações miometriais e musculares abdominais mais fortes, facilitando a distensão da vagina e cérvix a expulsão do feto.
Ocitocina x gestação
Diferentemente de outras espécies, as vacas apresentam uma alteração significativa na concentração de receptores uterinos de ocitocina durante a gestação e parto, o que sugere que existe um papel desse hormônio no mecanismo de parto das vacas. (FUCHS, 1992)
No entanto, durante o período gestacional o útero gravídico está sob efeito da progesterona. Estudos demonstraram que níveis baixos de receptores de ocitocina estão associados à maior concentração plasmática de progesterona (JENNER et al., 1991), o que resulta em bloqueio da expressão e ativação dos receptores endometriais de ocitocina.
A ação da progesterona durante a gestação impede a motilidade do miométrio, então mesmo que exista níveis séricos de ocitocina além do fisiológico não será suficiente para levar uma vaca ao aborto, pois não haverá receptores no endométrio para realizar a ligação com a ocitocina circulante.
Os canais de ocitocina começam a ser liberados gradualmente ao final da gestação, momento em que os níveis de progesterona começam a cair e os de estrógeno aumentam. A concentração de receptores de ocitocina apresenta os níveis mais altos algumas semanas antes do parto, promovendo então as contrações miometriais mais intensas e com intervalos mais curtos que são associados às contrações abdominais que iniciam na fase de expulsão do feto e anexos fetais.
Então se o uso exógeno não interfere na gestação, quais são os desafios associados ao seu uso?
A aplicação exógena de ocitocina está associada a corrigir a ejeção incompleta do leite, devido a sua rápida ação e atuação na glândula mamária.
No entanto, existem problemas associados à transmissão de doenças infecciosas que podem estar associadas à prática da aplicação da ocitocina, como a tripanossomíase bovina. E consequentemente, o desenvolvimento desses quadros de doenças infecciosas podem levar as vacas ao aborto.
Supondo que ocorra aplicação de duas injeções diárias em uma vaca em lactação por 300 dias, esse animal terá tido 600 agulhadas dentro do período para ejeção do leite. O que aumenta as chances do animal desenvolver flebites por contaminação e os riscos de ocorrência de surto na propriedade.
Trata-se de uma questão de saúde pública importante, sendo importante evitar o compartilhamento de agulhas entre os animais e, utilizar desinfetantes, como CB30 para deixar as agulhas de “molho”.
Conclusão
Mais do que compreender o papel isolado da ocitocina, é essencial reconhecer como o equilíbrio hormonal da vaca durante a gestação e lactação reflete a complexidade da biologia reprodutiva bovina.
A segurança do uso exógeno da ocitocina na ordenha não está apenas na ausência de receptores uterinos ativos, mas na harmonia do sistema endócrino que regula, com precisão, cada fase da vida produtiva do animal.
Esse entendimento reforça a importância de decisões técnicas baseadas em ciência, e não em mitos ou percepções equivocadas do campo. O desafio, portanto, não é evitar o uso da ocitocina por medo do aborto, mas utilizá-la de forma responsável, dentro de protocolos seguros e com manejo sanitário adequado, garantindo que a intervenção realmente cumpra seu propósito: favorecer o bem-estar, a eficiência e a produtividade das vacas leiteiras.
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Referências
- FUCHS, A.R et al. Oxytocin and Bovine parturiation: A Steep Rise in Endometrial Oxytocin receptors preceds onset of labor. Biology of Reproduction, v. 47, p. 937 – 944. 1992
- JENNER, L. J et al. Uterine oxytocin receptors in cyclic and pregnant cows. Journal of Reproduction and Fertility, vol 91, p. 49 – 58. 1991
- BELL, A. W., Regulation of organic nutrient metabolism during transition from late pregnancy to early lactation. Journal of Animal Science. 1995
- BRUCKMAIER, R. M. Chronic oxytocin treatment causes reduced milk ejection in dairy cows. Journal of Dairy Research, v. 70, p. 123-126, 2003
- BRUCKMAIER, R. M.; SCHAMS D.; BLUM, J. W. Milk removal in familiar and unfamiliar surroundings: concentration of oxytocin, prolactin, cortisol, and bendorphin. Journal of Dairy Research, v. 60, p. 449–456, 1993.








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