A nutrição animal é sem dúvida um dos pilares mais determinantes na eficiência dos sistemas de produção de bovinos de corte. Enquanto o foco da pecuária muitas vezes recai sobre genética, manejo sanitário ou comercialização, a realidade no campo mostra que os gargalos nutricionais podem representar perdas significativas de desempenho e rentabilidade.
Mesmo em propriedades tecnificadas, é comum observar inconsistências no planejamento alimentar, desequilíbrios entre oferta e exigência nutricional ou falhas pontuais no fornecimento de suplementos. Esses elementos, quando não identificados e corrigidos, se transformam em obstáculos silenciosos à produtividade.
Este artigo tem como objetivo explorar os principais gargalos nutricionais que afetam a pecuária de corte, explicando suas causas, consequências e, principalmente, como diagnosticá-los e superá-los de forma prática e embasada.
Gargalos nutricionais: conceito, causas e pontos críticos
Os gargalos nutricionais na pecuária de corte podem ser definidos como restrições persistentes ou recorrentes na oferta ou no aproveitamento dos nutrientes essenciais, que comprometem o desempenho animal de forma direta ou indireta.
Eles se diferenciam de deficiências pontuais por sua característica sistêmica: não são meros erros esporádicos, mas sim falhas estruturais ou de manejo que se repetem e travam o potencial produtivo do rebanho.
Como os gargalos se formam?
Diversos fatores contribuem para a formação desses gargalos, e eles costumam se combinar no campo de forma complexa. Entre os principais, destacam-se:
1. Baixa qualidade ou quantidade de forragem
- Pastagens mal manejadas ou degradadas;
- Espécies forrageiras mal adaptadas ao solo ou clima;
- Ausência de adubação e correção de solo;
- Alta lotação animal sem ajuste sazonal.
2. Planejamento nutricional inadequado
- Fórmulas genéricas que não consideram a categoria animal ou o estágio produtivo.
- Uso de suplementos incompatíveis com o perfil da dieta base.
- Subestimação das exigências nutricionais em momentos críticos (ex: seca, transições e terminação).
3. Erros no fornecimento
- Falhas operacionais na distribuição de suplemento (ex: falta de cocho, mistura irregular).
- Acesso limitado ou competitivo ao alimento (ex: espaçamento de cocho incorreto).
- Baixo consumo voluntário devido à palatabilidade, estrutura ou rotina inadequada.
4. Falta de monitoramento
- Inexistência de dados sobre consumo, desempenho e conversão alimentar.
- Ausência de avaliação de pastagem e análise bromatológica.
- Diagnósticos baseados em percepção e não em evidências.
Onde esses gargalos mais aparecem?
Os gargalos nutricionais podem se manifestar em diferentes pontos da cadeia produtiva, mas alguns momentos e situações são especialmente críticos:
- Períodos de transição climática: início da seca ou entre lotes de pastejo rotacionado.
- Mudança de fase produtiva: passagem da recria para terminação, sem ajustes na dieta.
- Alta lotação: competição por recursos, menor ingestão por animal.
- Ambientes degradados: solos pobres, pastagens esgotadas e baixa resposta à suplementação.
Deficiências nutricionais em bovinos de corte: como reconhecer e quantificar
As deficiências nutricionais em bovinos de corte representam o reflexo direto dos gargalos nutricionais no organismo do animal. Elas comprometem funções metabólicas, imunológicas, reprodutivas e produtivas, sendo uma das principais causas de queda de desempenho em sistemas de engorda, recria e até mesmo na fase de cria.
Reconhecer e quantificar essas deficiências é um passo fundamental para ajustar o manejo nutricional de forma técnica e assertiva, com impacto direto na produtividade e na rentabilidade.
Macronutrientes: energia e proteína
Os macronutrientes são os que os bovinos mais consomem em volume, e também os que mais impactam no ganho de peso e na eficiência alimentar.
Energia
- Fonte: carboidratos fibrosos (forragens), amido (milho, sorgo) e gorduras.
- Sinais de deficiência:
- Redução do GMD;
- Atraso no tempo de abate;
- Baixo escore corporal;
- Maior tempo de ruminação sem ganho proporcional.
Proteína
- Fonte: pastagem jovem, farelo de soja, ureia, fontes proteicas vegetais e animais.
- Sinais de deficiência:
- Baixo consumo de forragem (menor digestibilidade);
- Crescimento lento;
- Retardo na maturidade sexual;
- Queda de rendimento de carcaça.
Micronutrientes: minerais e vitaminas
Embora necessários em menores quantidades, os micronutrientes são vitais para o metabolismo e imunidade do animal. A carência de um único mineral pode limitar todo o sistema de produção.
Minerais essenciais e seus efeitos

Fonte: EMBRAPA Gado de Corte – Manual de Suplementação para Bovinos
Como identificar deficiências no campo
A identificação pode ser feita por meio de avaliação zootécnica e laboratorial, combinando observações visuais com dados analíticos.
Indicadores práticos:
- Escore corporal (ECC): abaixo de 2,5 em lotes de recria ou terminação já é sinal de alerta.
- GMD abaixo da meta esperada (ex: < 500 g/dia em recria a pasto com suplementação).
- Alterações de pelagem, apatia, escore de cascos e mucosas.
Ferramentas de apoio:
- Análise bromatológica da forragem e do suplemento.
- Análise de sangue (nível de minerais).
- Avaliação da dieta total (DTN) comparada às exigências do NRC ou BR-CORTE.
Efeitos diretos na produtividade e nos resultados econômicos
As deficiências nutricionais em bovinos de corte impactam diretamente os pilares que sustentam a rentabilidade da atividade pecuária: desempenho produtivo, eficiência no uso dos recursos e retorno econômico.
Quando o rebanho não recebe os nutrientes necessários em quantidade e qualidade adequadas, as perdas se acumulam em toda a cadeia produtiva.
Redução no desempenho zootécnico por fase produtiva
Cada fase do ciclo de produção possui exigências nutricionais específicas. Gargalos em qualquer uma delas afetam o desempenho geral:
- Na cria: Deficiências na matriz afetam o vigor do bezerro ao nascimento e o desenvolvimento inicial, com reflexos negativos na imunidade e na taxa de sobrevivência.
- Na recria: A falta de proteína ou energia limita o crescimento ósseo e muscular, estendendo o tempo necessário até a terminação.
- Na engorda: A conversão alimentar se torna ineficiente, exigindo maior tempo e mais insumos para atingir o peso ideal de abate.
Esses atrasos comprometem o giro de lotes e impactam diretamente a taxa de lotação da fazenda, reduzindo o volume total de arrobas produzidas por hectare/ano.
Impactos financeiros diretos e indiretos
A consequência mais evidente de um manejo nutricional inadequado é a redução do lucro por animal. Entre os principais impactos financeiros estão:

Além disso, deficiências nutricionais podem resultar em carcaças com menor acabamento, o que reduz o rendimento de cortes nobres e compromete a bonificação por qualidade paga por frigoríficos.
Superando gargalos com um manejo nutricional eficiente
A boa notícia é que os gargalos nutricionais não são uma sentença definitiva. Com um manejo nutricional bem estruturado, é possível transformar deficiências em oportunidades de ganho de eficiência, produtividade e rentabilidade. O segredo está no planejamento estratégico aliado a decisões técnicas embasadas.
Diagnóstico e planejamento nutricional
O ponto de partida é o diagnóstico da situação atual da propriedade. Isso envolve:
- Análise da forragem disponível, para conhecer o valor nutricional real do pasto em diferentes épocas do ano;
- Levantamento das exigências nutricionais dos animais, com base na fase produtiva (bezerros, garrotes, bois em terminação, matrizes);
- Verificação da estrutura de suplementação existente, avaliando disponibilidade de cochos, água e logística de distribuição.
A partir disso, é possível planejar dietas balanceadas que levem em consideração a disponibilidade dos nutrientes no sistema e os objetivos zootécnicos da fazenda.
Estratégias nutricionais na prática
Algumas medidas comprovadamente eficazes para superar gargalos incluem:
1. Suplementação mineral estratégica
A simples correção de deficiências minerais já gera ganhos expressivos de produtividade. O uso de misturas adequadas à região e ao solo é essencial para manter o rebanho saudável e com bom desempenho.
2. Suplementação proteica e energética
Principalmente na seca, a oferta de proteína e energia deve ser ajustada para manter o desempenho. O uso de suplementos como ureia, farelo de soja ou polpa cítrica pode equilibrar dietas de pastagens fibrosas e pobres em proteínas.
3. Manejo de lotação e pastejo rotacionado
Manter o pasto em bom estado também é uma medida nutricional. Sistemas rotacionados com controle de entrada e saída dos animais preservam a qualidade da forragem e garantem melhor aproveitamento.
4. Uso de aditivos e tecnologias nutricionais
Produtos como monensina, probióticos ou tamponantes ruminais podem melhorar a conversão alimentar, controlar distúrbios digestivos e potencializar o aproveitamento dos nutrientes.
Monitoramento e ajustes contínuos
O manejo nutricional não é uma ação pontual, mas um processo contínuo que exige acompanhamento de resultados e ajustes periódicos. O uso de indicadores como ganho médio diário (GMD), conversão alimentar e escore de condição corporal permite uma tomada de decisão mais técnica e precisa.
Além disso, contar com apoio técnico especializado (zootecnistas, médicos veterinários, consultores) é fundamental para garantir a eficácia das intervenções e evitar erros que comprometam os resultados.
Conclusão
Ao longo deste artigo, vimos que os gargalos nutricionais na pecuária de corte são um dos principais entraves para que o setor atinja todo o seu potencial produtivo. Esses gargalos não se limitam a situações extremas ou evidentes, muitas vezes, são silenciosos e crônicos, afetando o desempenho do rebanho de forma gradual e acumulativa.
A nutrição animal, quando tratada de forma estratégica, deixa de ser um centro de custos para se tornar um fator de ganho e competitividade. Superar deficiências nutricionais exige mais do que aplicar suplementos: requer planejamento técnico, análise da realidade da propriedade, acompanhamento zootécnico e, sobretudo, mudança de mentalidade.
Afinal, o boi só produz o que consome e a eficiência do sistema começa no cocho.
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Autoria: Equipe Corte Rehagro








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