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Uso de cevada para vacas leiteiras: quando e como incluir na dieta

Uso de cevada na dieta de vacas leiteiras

Em um cenário marcado por oscilações nos custos dos insumos, a busca por alternativas alimentares que mantenham ou elevem a eficiência produtiva dos rebanhos leiteiros tornou-se estratégica. Nesse contexto, a cevada (Hordeum vulgare), um dos cereais mais antigos cultivados pela humanidade, ressurge como uma opção promissora tanto do ponto de vista nutricional quanto econômico.

Embora tradicionalmente associada à fabricação de malte e cerveja, a cevada apresenta qualidades notáveis quando aplicada na nutrição animal. Sua composição rica em amido, proteínas e fibras a coloca como uma alternativa viável ao milho, especialmente em períodos de escassez ou elevação de preços deste grão.

Para o produtor de leite, a cevada pode representar mais que uma substituição de ingrediente: ela pode ser uma ferramenta de ajuste fino na formulação de dietas, equilibrando custos e elevando a eficiência do aproveitamento ruminal. No entanto, o uso desse ingrediente exige conhecimento técnico, manejo nutricional criterioso e estratégias de inclusão bem planejadas para evitar efeitos adversos como acidose ruminal.

Ao longo deste artigo, vamos explorar as principais características da cevada, sua classificação e composição nutricional, formas de processamento, estratégias de uso na dieta de vacas leiteiras, os momentos ideais para sua inclusão, vantagens, desafios e cuidados necessários.

Entendendo a cevada: origem, cultivo e importância na nutrição animal

A cevada é uma gramínea anual de ciclo curto, pertencente à família Poaceae, e está entre os quatro cereais mais cultivados do mundo, com produção estimada em mais de 150 milhões de toneladas por ano, ocupando cerca de 55 milhões de hectares globalmente (Nikkhah, 2012).

No Brasil, a cultura da cevada se consolidou a partir da década de 1930, com maior expressão nas regiões Sul, em especial no Rio Grande do Sul e no Paraná. Nessas regiões, ela é cultivada principalmente no inverno, favorecida por baixas temperaturas e práticas de manejo conservacionista, sendo comumente inserida em sistemas de rotação com soja, milho e trigo (Geron et al., 2013).

Apesar do foco histórico estar na produção de malte, uma fração significativa da cevada brasileira e importada é direcionada para a alimentação animal, seja na forma de grãos inteiros, triturados ou processados.

Sua importância na nutrição de ruminantes, especialmente de vacas leiteiras, vem crescendo graças ao seu perfil nutricional favorável. O grão apresenta alta concentração de amido, proteína bruta e fibra detergente neutra (FDN), com vantagem adicional no fornecimento de aminoácidos essenciais como lisina, metionina, cisteína e triptofano (Córdova et al., 2006). Essa composição nutricional torna a cevada um ingrediente estratégico em dietas balanceadas, especialmente em momentos de maior custo de outros grãos.

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Classificação e composição nutricional da cevada

A cevada destaca-se por sua composição nutricional rica e equilibrada, o que a torna uma excelente candidata à substituição de grãos tradicionais, como o milho, na alimentação de vacas leiteiras.

Contudo, para um aproveitamento eficiente, é essencial compreender suas classificações botânicas e variações composicionais, que impactam diretamente seu valor nutricional e comportamento ruminal.

Cevada de duas fileiras vs. seis fileiras

A cevada é geralmente classificada em dois principais grupos morfológicos, com base na organização das espiguetas:

  • Cevada de duas fileiras (Hordeum distichon):
    Apresenta grãos mais uniformes, com maior teor de amido e menor concentração de proteína. É amplamente utilizada na indústria cervejeira devido à sua alta produtividade de malte.
  • Cevada de seis fileiras (Hordeum vulgare):
    Tem grãos menos uniformes, maior teor de proteína e casca mais espessa. Por conter menor teor de amido, é mais comumente utilizada na alimentação animal (Geron et al., 2013).

Essa distinção é crucial, pois influencia diretamente a fermentação ruminal e a degradabilidade do amido. Grãos com mais proteína e menos amido demandam ajustes precisos na formulação das dietas.

Composição bromatológica da cevada

Segundo dados compilados por Geron et al. (2013) e Nikkhah (2012), a cevada apresenta, em média, a seguinte composição por quilo de matéria seca:

Tabela de composição bromatológica da cevada

Esses valores colocam a cevada como um cereal com excelente valor energético, com teores de proteína superiores aos do milho (que gira entre 80–100 g/kg PB), além de uma maior oferta de aminoácidos essenciais.

Comparação com outros cereais energéticos

Em comparação com milho, trigo e sorgo, a cevada possui características que a tornam vantajosa em determinados contextos:

  • Mais proteína e aminoácidos: destacando-se em metionina, lisina, cisteína e triptofano (Córdova et al., 2006).
  • Amido altamente fermentável: o que aumenta a velocidade de produção de ácidos graxos voláteis no rúmen, o que é bom, desde que bem manejado.
  • Maior teor de FDN: contribui para a saúde ruminal, mas pode exigir ajustes na forragem total da dieta para manter a efetividade da fibra.

Comparação da cevada com outros cereais energéticos

Fonte: Barley grain for ruminants: A global treasure or tragedy – Journal of Animal Science and Biotechnology

No entanto, é justamente esse amido de rápida fermentação que exige atenção quanto ao risco de acidose ruminal, principalmente quando a cevada é mal processada ou oferecida em excesso.

Processamento do grão: fundamental para o aproveitamento nutricional

Ao contrário de outros cereais como o milho, a cevada possui uma casca mais espessa e grãos mais duros, o que dificulta sua quebra durante a mastigação pelos bovinos. Por isso, o processamento prévio dos grãos é indispensável para garantir digestibilidade e evitar desperdício.

Segundo Nikkhah (2012), os principais métodos de processamento são:

  • Moagem (triturado fino ou grosso): É o método mais comum para vacas leiteiras. Permite alta disponibilidade de amido e bom custo-benefício. Deve-se evitar moagem muito fina para reduzir riscos de acidose.
  • Laminação a frio ou a quente: Promove maior superfície de contato do grão com os microrganismos ruminais, aumentando a digestibilidade.
  • Flocagem a vapor e temperagem: Técnicas que melhoram significativamente a fermentabilidade e reduzem fatores antinutricionais, embora com maior custo operacional.
  • Peletização e torrefação: Menos usuais em dietas de vacas leiteiras por envolverem custos mais elevados, mas podem ser úteis em rações comerciais ou concentrados prontos.

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Quando optar pela inclusão da cevada na dieta?

A cevada pode ser estrategicamente incorporada na dieta de vacas leiteiras em diversas situações, especialmente:

  • Quando o preço do milho estiver elevado ou houver dificuldade de abastecimento.
  • Em sistemas de produção mais intensivos, onde é necessário elevar o aporte energético sem depender exclusivamente de fontes tradicionais.
  • Para diversificação de ingredientes na formulação da dieta, reduzindo a dependência de grãos únicos.
  • Em propriedades com produção própria de cevada, otimizando o uso de recursos internos.

Além disso, devido ao seu teor superior de proteína bruta e aminoácidos essenciais (como lisina, metionina e cisteína), a cevada permite reduzir o uso de farelo de soja, contribuindo para a economia na formulação (Córdova et al., 2006).

Apesar de suas qualidades nutricionais, a cevada exige atenção redobrada na formulação de dietas, pois seu uso inadequado pode comprometer a saúde ruminal das vacas e afetar a produção leiteira.

Cuidados essenciais na inclusão de cevada

1. Presença de micotoxinas: um risco silencioso

A cevada, especialmente quando colhida ou armazenada sob condições de alta umidade, pode ser contaminada por fungos do gênero Fusarium, os quais produzem micotoxinas, como a vomitoxina (DON). Estas substâncias comprometem a ingestão de matéria seca, reduzem a imunidade e afetam o desempenho produtivo dos animais.

Então a recomendação é monitorar periodicamente a qualidade dos lotes de cevada, especialmente quando oriundos de regiões úmidas ou armazenados por longos períodos. A análise de micotoxinas em laboratórios especializados é altamente recomendada (Nikkhah, 2012).

2. Fermentação ruminal rápida e risco de acidose

O amido da cevada possui alta degradabilidade ruminal, com fermentação mais rápida do que a do milho. Essa característica pode levar a um acúmulo súbito de ácidos no rúmen, reduzindo o pH e favorecendo a acidose ruminal subclínica ou aguda, especialmente quando a inclusão do grão ultrapassa os limites seguros ou é realizada sem equilíbrio com fibra efetiva.

Então a recomendação se resume em:

  • Fracionar o fornecimento da dieta ao longo do dia.
  • Incluir fontes de fibra efetiva de alta qualidade (ex: silagem de milho com bom tamanho de partícula).
  • Monitorar sinais clínicos, como fezes pastosas, redução do consumo e queda do teor de gordura no leite.

3. Fibra em Detergente Neutro (FDN) e a mastigação

Embora a cevada tenha teores moderados de FDN, a sua fibra não estimula a mastigação nem a salivação com a mesma eficiência que as fibras forrageiras. Isso pode agravar o risco de distúrbios digestivos caso a dieta como um todo apresente baixo conteúdo de fibra efetiva.

Por isso é essencial ajustar a inclusão da cevada conforme o perfil da forragem da dieta. Em sistemas baseados em silagens muito moídas ou com baixa FDN efetiva, a cevada deve ser usada com moderação e acompanhada de forragens mais estruturadas.

4. Interação com outros ingredientes da dieta

Outro cuidado importante está na interação da cevada com fontes de proteína não degradável no rúmen (PNDR) e com aditivos como tamponantes ou leveduras vivas, que podem ser utilizados para mitigar os riscos de acidose e melhorar a estabilidade ruminal.

Em dietas com alto uso de cevada, é aconselhável considerar aditivos específicos como bicarbonato de sódio, óxido de magnésio ou probióticos.

Vantagens do uso da cevada na nutrição de vacas leiteiras

O uso da cevada na formulação de dietas para vacas leiteiras pode trazer uma série de benefícios, tanto do ponto de vista econômico, quanto nutricional e zootécnico. Esses benefícios tornam a cevada uma ferramenta estratégica para a eficiência produtiva, desde que seu uso seja conduzido com critério técnico.

1. Economia na formulação da dieta

Um dos principais atrativos da cevada está no seu potencial de redução de custos, especialmente em cenários onde o milho apresenta alta de preços ou dificuldade de acesso logístico.

Por ter alto teor energético e proteico, a cevada pode permitir a substituir parcialmente o milho e reduzir a inclusão de farelo de soja devido à maior concentração de aminoácidos essenciais.

2. Maior teor de proteína e aminoácidos essenciais

Comparada ao milho, a cevada apresenta:

  • Maior teor de proteína bruta (110 a 140 g/kg vs. 80 a 100 g/kg no milho).
  • Elevados níveis de lisina, metionina, cisteína e triptofano, aminoácidos limitantes na síntese proteica e produção de leite (Geron et al., 2013).

Isso favorece o balanço proteico ideal da dieta, sendo especialmente benéfico para vacas de alta produção ou em início de lactação.

3. Alta degradabilidade ruminal e eficiência energética

A cevada possui um amido altamente fermentável, que:

  • É rapidamente degradado no rúmen, elevando a produção de ácidos graxos voláteis (AGVs).
  • Melhora a disponibilidade de energia para a microbiota ruminal, otimizando a digestão de fibras e a síntese de proteína microbiana (Nikkhah, 2012).

Em sistemas bem manejados, isso se traduz em melhor aproveitamento nutricional e maior eficiência alimentar.

Desafios e limitações no uso da cevada

Apesar de suas qualidades nutricionais e vantagens econômicas, a cevada não é isenta de riscos. Quando utilizada sem os devidos cuidados, pode comprometer a saúde do rebanho e impactar negativamente a produção de leite. Por isso, entender seus desafios é tão importante quanto reconhecer seus benefícios.

Risco elevado de acidose ruminal

O amido da cevada é mais rapidamente fermentado no rúmen do que o do milho. Essa fermentação intensa favorece a produção rápida de ácidos, o que pode reduzir o pH ruminal e causar acidose subclínica ou aguda, especialmente se:

  • A dieta é pobre em fibra efetiva.
  • A cevada for fornecida moída muito fina.
  • Não houver fracionamento adequado da alimentação ao longo do dia.

Supressão da gordura do leite

Devido ao perfil de fermentação do amido, a cevada pode alterar o equilíbrio dos ácidos graxos produzidos no rúmen. Isso interfere na síntese de gordura láctea, reduzindo o teor de gordura do leite quando o uso da cevada é excessivo ou desbalanceado em relação à fibra.

Esse efeito é mais comum quando a dieta apresenta baixa efetividade física da forragem ou excesso de concentrado.

Variabilidade entre cultivares e safras

A composição da cevada pode variar significativamente de acordo com:

  • Tipo botânico (duas ou seis fileiras).
  • Condições edafoclimáticas da região de cultivo.
  • Manejo pós-colheita e armazenamento.

Isso exige análises bromatológicas frequentes para formular com precisão e evitar desequilíbrios na dieta (Geron et al., 2013).

Potencial presença de micotoxinas

Como discutido anteriormente, a cevada é suscetível ao crescimento de fungos, especialmente se armazenada sob alta umidade. A vomitoxina (DON) é uma das micotoxinas mais comuns, podendo afetar diretamente o consumo e o desempenho das vacas (Córdova et al., 2006).

Limites de inclusão na dieta

Apesar de seu bom perfil nutricional, a cevada não pode ser usada em altas concentrações sem comprometer o equilíbrio ruminal. O uso acima de 20–25% da matéria seca da dieta pode representar riscos, dependendo do nível de produção e do restante dos ingredientes da formulação.

Por isso, é fundamental o suporte de um nutricionista para ajustar a proporção ideal conforme a realidade de cada propriedade.

Conclusão

A cevada tem se consolidado como uma alternativa nutricional estratégica na dieta de vacas leiteiras, especialmente em momentos de volatilidade no preço de insumos como milho e farelo de soja. Sua composição rica em amido fermentável, proteínas e aminoácidos essenciais a torna uma fonte energética e proteica de alto valor.

Contudo, para colher os benefícios desse ingrediente, é indispensável atenção aos detalhes técnicos: conhecer o tipo de cevada utilizada, adotar métodos de processamento adequados, ajustar o fornecimento de fibra efetiva e monitorar a qualidade do grão. O uso responsável da cevada pode não apenas manter os níveis de produção leiteira, mas também otimizar os custos com alimentação, o que representa um ganho econômico direto para o produtor.

A adoção desse grão exige suporte técnico e acompanhamento nutricional para evitar distúrbios ruminais como acidose e perda da gordura do leite. Quando incluída de forma estratégica, a cevada deixa de ser apenas uma substituição ao milho e passa a ser uma ferramenta de gestão nutricional e econômica.

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Autores: Matheus Viana e Laryssa Mendonça – Equipe Leite Rehagro

Referências Bibliográficas

  • CÓRDOVA, H. A., THALER-NETO, A., GOMES, I., SANTOS, I. R. (2006). Utilização do grão de cevada em substituição ao milho em dietas para vacas em lactação. Archives of Veterinary Science, 10(3).
  • GERON, L., TRAUTMANN-MACHADO, R., MOURA, D., MARQUES, F., SOUZA, O., PAULA, E. (2013). Caju, canola, cevada, cupuaçu e seus resíduos utilizados na nutrição de ruminantes. Pubvet, 7(12).
  • NIKKHAH, A. (2012). Barley grain for ruminants: A global treasure or tragedy. Journal of Animal Science and Biotechnology, 3(22).

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