Rehagro Blog

Como preparar sua fazenda para gerar o bezerro do próximo pico de preço?

Vacas de corte e bezerros em uma fazenda

A pecuária de corte brasileira está em um momento importante de transformação. Enquanto o país mantém o maior rebanho comercial do mundo, a eficiência produtiva ainda apresenta oportunidades significativas de melhoria.

Dados recentes mostram que o bezerro foi a commodity que mais se valorizou nos últimos 20 anos, superando até mesmo soja e milho. Esse cenário cria uma janela de oportunidade única para produtores que estiverem preparados tecnicamente.

No entanto, muitos pecuaristas ainda operam com a mentalidade de que “está tudo certo”, as vacas parem, os bezerros nascem, e o sistema continua funcionando. Mas será que está realmente funcionando de forma eficiente? Será que você está capturando todo o potencial genético e produtivo do seu rebanho?

Neste artigo, vamos explorar estratégias fundamentais para preparar sua operação de cria para maximizar resultados, desde a condição corporal das matrizes até o planejamento da estação de monta. São conhecimentos práticos, baseados em dados de milhões de vacas avaliadas em todo o Brasil.

O cenário atual da pecuária de cria no Brasil

A valorização contínua do bezerro

O mercado de bezerros no Brasil apresenta uma tendência consistente de valorização. Diferentemente do passado, quando existia deságio de bezerro em relação ao boi gordo, hoje observamos uma mudança estrutural no mercado. Vários fatores contribuem para essa realidade:

  • Redução de áreas destinadas à cria: Pastagens antes ocupadas por vacas estão sendo convertidas para agricultura ou recria/engorda.
  • Aumento da demanda por animais jovens: Frigoríficos habilitados para exportação (especialmente China) demandam animais com até 30 meses.
  • Intensificação dos sistemas de recria e engorda: Projetos maiores e mais tecnificados necessitam de maior volume de bezerros.

O desafio da eficiência produtiva

Apesar do maior rebanho comercial do mundo, a pecuária brasileira de cria ainda apresenta índices modestos de tecnificação:

  • Apenas 22% das vacas de corte são inseminadas.
  • Grande parte do rebanho ainda utiliza touros sem avaliação genética adequada.
  • Muitas propriedades não possuem controle individual das matrizes.
  • A mentalidade de “baixo investimento, baixo retorno” ainda prevalece.

A grande questão é: estamos compensando eficiência com volume. Temos muitos animais produzindo relativamente pouco, quando poderíamos ter sistemas mais eficientes gerando maior rentabilidade por área.

A importância da condição corporal

Entendendo o Escore de Condição Corporal (ECC)

O escore de condição corporal é uma ferramenta fundamental para avaliar o estado nutricional das matrizes. Na escala de 1 a 5, cada meio ponto representa aproximadamente 30 kg de peso vivo em uma vaca de 480 kg.

Classificação prática:

Tabela de classificação ecc

O impacto direto na reprodução

Dados de mais de 3 milhões de vacas avaliadas em todo o Brasil demonstram uma relação clara e inequívoca entre condição corporal e taxa de prenhez:

Vacas primíparas (primeira cria):

  • ECC 2,5 ao parto: 26% de prenhez;
  • ECC 3,0-3,25 ao parto: 47% de prenhez;
  • ECC 3,5 ao parto: 85% de prenhez na estação de monta completa.

Vacas multíparas:

  • ECC 2,75: 44% de prenhez;
  • ECC 3,0: 51% de prenhez;
  • ECC 3,25: 54% de prenhez;
  • ECC 3,5: 57% de prenhez.

Por que as primíparas são mais sensíveis?

As novilhas de primeira cria enfrentam um desafio triplo:

  1. Ainda estão crescendo (faltam aproximadamente 20% do peso adulto);
  2. Precisam produzir leite para o bezerro;
  3. Devem emprenhar novamente em curto espaço de tempo.

Por isso, a amplitude de resposta das primíparas é muito maior. Uma primípara que pare magra pode ter taxa de prenhez inferior a 30%, enquanto uma que pare em boa condição pode ultrapassar 80%.

Estratégias para a estação de monta

O papel fundamental da IATF (Inseminação Artificial em Tempo Fixo)

A inseminação artificial com protocolos hormonais não deve ser vista apenas como uma ferramenta para melhoramento genético. Seu papel mais importante é tirar a vaca do anestro pós-parto.

Benefícios da IATF:

  1. Sincronização do rebanho: Concentra nascimentos, facilitando manejo.
  2. Antecipação da prenhez: Especialmente crítico para vacas zebuínas, que naturalmente apresentam anestro mais prolongado.
  3. Melhoramento genético acelerado: Acesso a touros superiores de centrais.
  4. Redução do intervalo entre partos: Fundamental para viabilidade econômica.

Estruturação da estação de monta

Para propriedades que desejam implementar ou melhorar a estação de monta:

Passo 1: Comece pequeno

  • Selecione um lote de 100 vacas;
  • Insemina apenas este grupo inicialmente;
  • Avalie os resultados práticos antes de expandir.

Passo 2: Separe as primíparas

  • Monte lotes específicos para novilhas de primeira cria;
  • Ofereça condições nutricionais superiores;
  • Monitore mais de perto essa categoria crítica.

Passo 3: Encurte progressivamente

  • Inicie com estações de 90 dias;
  • Reduza gradualmente para 70-80 dias;
  • Vacas que não emprenham nesse período devem ser descartadas.

Passo 4: Diagnóstico precoce

  • Realize diagnóstico de gestação o quanto antes;
  • Identifique e descarte vacas vazias rapidamente;
  • Evite que animais improdutivos consumam recursos na seca.

E-book Manual Sanitário da estação de monta

O desafio da época da seca

A lotação de uma fazenda de cria não deve ser calculada pela capacidade de suporte das águas, mas sim pela disponibilidade de recursos na seca. Este é o principal erro estratégico cometido por produtores que enfrentam problemas reprodutivos.

O ciclo vicioso:

  1. Alta lotação durante todo o ano;
  2. Escassez extrema na seca;
  3. Vacas chegam magras à estação de monta;
  4. Baixa taxa de prenhez;
  5. Tentativa de compensar com estação de monta mais longa;
  6. Parições tardias;
  7. Ainda mais animais competindo na próxima seca.

O ciclo virtuoso:

  1. Lotação adequada à capacidade da seca;
  2. Vacas mantêm condição corporal;
  3. Parem com ECC 3,5;
  4. Alta taxa de prenhez precoce;
  5. Desmame antecipado possível;
  6. Redução de bocas na seca;
  7. Sistema sustentável.

Estratégias para manejo da seca

Opção 1: Lotação conservadora

  • Limite: aproximadamente 1 vaca por hectare como teto para sistemas sem suplementação intensiva;
  • Acima de 1,5 vacas/ha: necessidade inevitável de alguma estratégia de alimentação suplementar.

Opção 2: Suplementação estratégica

  • Sal mineral de qualidade (mínimo);
  • Sal proteinado ou ureia para correção de nitrogênio;
  • Suplementos adensados para categorias críticas.

Opção 3: Sequestro de animais

  • Confinar vacas secas durante período crítico;
  • Confinar vacas vazias imediatamente após diagnóstico;
  • Permitir que vacas lactantes tenham acesso ao melhor pasto disponível.

Curso Gestão na Pecuária de Corte

Nutrição estratégica e suplementação

Creep feeding: para quem serve?

Existe muita confusão sobre o papel do creep-feeding (suplementação de bezerros). Importante entender:

  • Creep-feeding beneficia principalmente o bezerro, não a vaca.
  • Dados científicos mostram que bezerros não reduzem consumo de leite quando recebem ração.
  • O bezerro prioriza: 1º leite, 2º ração, 3º pasto.
  • Vacas não apresentam melhora significativa em condição corporal pelo uso de creep.

O creep-feeding é utilizado com o objetivo de desmame com bezerros mais pesados, na preparação de animais para sistemas intensivos de recria.

Suplementação mineral e proteica

Sal mineral:

  • Base fundamental para qualquer sistema;
  • Oferta à vontade durante todo o ano;
  • Qualidade do produto faz diferença significativa.

Suplementação proteica na seca:

  • Essencial para correção de deficiência de nitrogênio;
  • Melhora aproveitamento de forragem de baixa qualidade;
  • Pode ser feita com ureia ou fontes proteicas verdadeiras.

Melhoramento genético e seleção

Além do sêmen: a importância da vaca

O melhoramento genético não se resume à escolha do touro ou sêmen. A vaca contribui com 50% da genética e é 100% responsável pelo ambiente intrauterino e produção de leite.

Características a selecionar nas matrizes:

  1. Precocidade sexual: Emprenhar jovem e manter prenhez anual;
  2. Habilidade materna: Produção adequada de leite sem excessos;
  3. Adaptação ao ambiente: Resistência sem sacrificar produtividade;
  4. Eficiência: Manter condição corporal com recursos disponíveis.

Descarte estratégico

Vacas que devem sair do rebanho:

  • Vazias após 70-80 dias de estação de monta;
  • Que parem repetidamente tarde na estação;
  • Com histórico de bezerros leves ao desmame;
  • Cronicamente magras (ECC persistentemente baixo).

Importante: Vacas vazias devem ser comercializadas imediatamente após diagnóstico, não devem competir por recursos na seca.

Implementação prática: por onde começar

Nível 1 – Básico:

  1. Implemente avaliação de condição corporal;
  2. Identifique individualmente as matrizes;
  3. Estabeleça uma estação de monta definida (mesmo com touro);
  4. Realize diagnóstico de gestação;
  5. Descarte vacas vazias prontamente.

Nível 2 – Intermediário:

  1. Selecione touros provados (não bois de boiada);
  2. Realize exame andrológico dos touros;
  3. Separe lotes por categoria (primíparas, multíparas);
  4. Implemente suplementação mineral de qualidade;
  5. Ajuste lotação considerando a seca.

Nível 3 – Avançado:

  1. Comece IATF em um lote piloto;
  2. Expanda gradualmente conforme resultados;
  3. Encurte progressivamente a estação de monta;
  4. Implemente desmame precoce estratégico;
  5. Otimize o sistema completo.

Investimentos necessários

Infraestrutura mínima para IATF:

  • Curral funcional com tronco de contenção;
  • Acesso adequado (para transporte de materiais e técnicos);
  • Capacitação da equipe;
  • Parceria com profissional qualificado.

Retorno esperado:

  • Concentração de nascimentos (facilita manejo);
  • Aumento de 10-15% na taxa de prenhez;
  • Bezerros 15-20 kg mais pesados ao desmame;
  • Redução do intervalo entre partos;
  • Melhoria genética acelerada do rebanho.

Erros comuns a evitar

1. Aumentar a estação de monta para “compensar”

Este é talvez o erro mais grave. Estender a estação de monta apenas posterga problemas e cria um ciclo vicioso de parições cada vez mais tardias.

2. Focar apenas no touro/sêmen

O melhor sêmen do mundo não compensa uma vaca em má condição corporal ou manejo nutricional inadequado.

3. Ignorar as primíparas

Novilhas de primeira cria são a categoria mais sensível e que mais afeta a eficiência reprodutiva do rebanho. Merecem atenção especial.

4. Não descartar vacas improdutivas

Manter vacas vazias ou com baixo desempenho consome recursos valiosos e compromete o sistema como um todo.

5. Calcular lotação apenas pelas águas

A seca define a capacidade real do sistema. Planejar lotação baseado apenas no período chuvoso é receita para o fracasso.

Conclusão

A pecuária de cria brasileira está diante de uma oportunidade única. O valor do bezerro está em alta, a demanda estrutural é crescente, e o país possui condições excepcionais para aplicação de tecnologias reprodutivas, algo que poucos países no mundo podem fazer devido às suas características de área por vaca.

No entanto, aproveitar esse momento exige mudança de mentalidade. Não basta “ter vacas que parem”. É preciso ter vacas que parem no momento certo, em boa condição corporal, emprenhando rapidamente e desmamando bezerros pesados.

Lembre-se: na pecuária de cria, não trabalhamos com médias de lote, trabalhamos com indivíduos. Cada vaca é uma unidade produtiva que merece ser avaliada, manejada e, quando necessário, substituída. Essa é a essência da gestão eficiente que separa os 25% mais tecnificados dos demais 75% do rebanho brasileiro.

O momento de preparar o bezerro do próximo pico de preço é agora, começando com a vaca que está gestante na sua fazenda neste exato momento.

Transforme sua fazenda em um negócio mais lucrativo

Produzir mais arrobas é importante, mas só quem domina a gestão consegue transformar produtividade em lucro real. No Curso Gestão na Pecuária de Corte do Rehagro, você aprende a organizar a fazenda, controlar custos, aumentar a eficiência e tomar decisões seguras que fazem diferença no resultado.

Banner Curso Gestão na Pecuária de Corte

Comentar