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Ciclo estral em vacas leiteiras: entenda as fases e como identificar

O ciclo estral das vacas leiteiras é o ponto de partida fundamental para qualquer estratégia de reprodução eficiente em sistemas intensivos de produção. Esse processo fisiológico, cíclico e coordenado por uma complexa regulação hormonal, é responsável por preparar o organismo da fêmea para a ovulação e concepção.

Em um cenário onde a rentabilidade está diretamente ligada à produtividade reprodutiva, entender as fases e os sinais do ciclo estral é mais do que conhecimento técnico, é uma necessidade prática e estratégica.

Compreender a dinâmica do ciclo estral permite que veterinários, zootecnistas e produtores otimizem decisões importantes, como o melhor momento para a inseminação artificial (IA) ou a aplicação de protocolos de Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF).

Cada fase (proestro, estro, metaestro e diestro) apresenta padrões hormonais e comportamentais específicos que, quando corretamente identificados, aumentam significativamente as taxas de concepção e reduzem custos operacionais relacionados a falhas reprodutivas.

Ao longo deste artigo, vamos explorar com profundidade as fases do ciclo estral bovino, suas alterações fisiológicas, comportamentais e hormonais, além de sua aplicação prática no campo.

Compreendendo o ciclo estral das vacas leiteiras

O ciclo estral é o conjunto de eventos fisiológicos e comportamentais recorrentes que preparam o trato reprodutivo da vaca para a concepção.

Em vacas leiteiras, este ciclo possui duração média de 21 dias, sendo considerado regular quando ocorre em intervalos consistentes. O entendimento detalhado do ciclo é essencial para o sucesso de técnicas como a inseminação artificial (IA) e a adoção de programas reprodutivos com base hormonal.

O que é o ciclo estral?

É uma sequência ordenada de alterações hormonais, morfológicas e comportamentais, que se repete ao longo da vida reprodutiva da fêmea não gestante. Sua principal característica externa é a manifestação do cio, cujo comportamento mais comum é a aceitação de monta, além da presença de muco, vulva edemaciada e vocalização, indicando que a fêmea está sexualmente receptiva e próxima da ovulação.

Diferentemente dos humanos, as vacas não menstruam. A menstruação consiste na eliminação do endométrio quando não ocorre fecundação. Em bovinos, esse tecido é reabsorvido, e o ciclo continua sem o sangramento observado em espécies menstruantes.

Essa distinção fisiológica reforça a importância de observar sinais comportamentais e hormonais específicos em ruminantes.

Identificação do estro e sincronia do rebanho: o pilar da eficiência reprodutiva

Mesmo com o uso de protocolos hormonais, como a Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF), a identificação correta do estro segue sendo um dos principais fatores de sucesso reprodutivo. Reconhecer esse momento marcado por comportamentos típicos, como inquietação, vocalização e aceitação de monta, é essencial para aplicar as tecnologias de forma eficaz.

A partir dessa identificação, torna-se possível sincronizar o ciclo estral de diversas vacas, o que permite que todas estejam no ponto ideal de ovulação no momento da inseminação. Essa estratégia otimiza a mão de obra, reduz a necessidade de observação contínua e aumenta as taxas de concepção, sobretudo em sistemas de produção com alta densidade animal.

Cada rebanho possui características específicas que influenciam diretamente na resposta aos protocolos hormonais. O conhecimento do ciclo estral permite personalizar estratégias, escolhendo os protocolos mais adequados ao perfil das fêmeas e ao objetivo do produtor, seja ele reprodutivo, genético ou econômico.

Principais hormônios reprodutivos de vacas leiteiras

Fonte: Material de aulas Rehagro – Guilherme Correia

Proestro: a preparação silenciosa para o cio

O proestro é a primeira fase do ciclo estral e marca a transição entre o final do ciclo anterior, caracterizado pela luteólise (regressão do corpo lúteo) e o início do estro. Essa fase dura em média de 3 a 4 dias e é fundamental para preparar o organismo da fêmea para a ovulação.

Atividade hormonal

O principal evento endocrinológico do proestro é a redução dos níveis de progesterona e o consequente aumento dos níveis de estrogênio (estradiol), produzidos pelos folículos ovarianos em crescimento. A hipófise anterior secreta FSH (hormônio folículo-estimulante), que estimula a emergência folicular, isto é, o crescimento de um grupo de folículos antrais no ovário.

Conforme esses folículos crescem, passam a secretar estradiol (E2) e inibina, os quais atuam por feedback negativo sobre a hipófise, reduzindo a liberação de FSH.

Com essa supressão, os folículos menores entram em atresia, enquanto apenas um prossegue no desenvolvimento. Este folículo diferencia-se por expressar receptores de LH nas células da granulosa, o que o torna sensível aos pulsos de LH (hormônio luteinizante) e o prepara para a ovulação.

Caso os pulsos de LH sejam insuficientes, o folículo dominante também pode entrar em atresia e uma nova onda folicular será iniciada. No entanto, se as condições hormonais forem favoráveis, o folículo dominante continuará seu crescimento até alcançar a maturação necessária.

Novilhas com interesse em montar outras fêmeas

Novilhas com interesse em montar as outras fêmeas. Fonte: Bruna Maeda

Sinais comportamentais e clínicos

Durante o proestro, embora a vaca ainda não esteja receptiva ao acasalamento, começam a surgir sinais comportamentais que indicam a proximidade do estro. Os principais incluem:

  • Aumento da inquietação e movimentação no lote;
  • Interesse em montar outras vacas;
  • Maior vocalização;
  • Aumento da interação social com o rebanho.

Esses comportamentos são induzidos pelo aumento progressivo do estradiol circulante, que atua no sistema nervoso central.

Sinais de comportamento das vacas no proestro

Adaptado de Wattiaux, 2009; The Babcock Institute, University of Wisconsin.

Estro: a fase crítica da receptividade sexual e ovulação

O estro, popularmente conhecido como cio, é a fase do ciclo estral em que a fêmea se encontra sexualmente receptiva, ou seja, aceita a monta. Essa fase representa o ponto máximo de fertilidade, sendo o momento ideal para realizar a inseminação artificial.

É considerada a fase mais curta e, ao mesmo tempo, mais crítica do ciclo estral, especialmente em sistemas intensivos que dependem de alta eficiência reprodutiva.

Duração e importância da detecção

A duração média do estro varia de 12 a 18 horas, mas esse tempo pode ser ainda menor em vacas de alta produção leiteira, em razão das alterações hormonais e metabólicas que afetam o comportamento sexual (Roelofs et al., 2010). Isso reforça a importância de um monitoramento frequente e criterioso do rebanho, já que a perda da janela de estro pode comprometer as taxas de concepção.

A inseminação deve ser realizada cerca de 12 horas após o início do estro, pois a ovulação ocorre, em média, 28 horas após o início do cio. Esse intervalo permite que os espermatozoides estejam no trato reprodutivo no momento ideal para a fecundação.

Atividade hormonal durante o estro

Durante essa fase, o estradiol atinge seu pico máximo, enquanto os níveis de progesterona permanecem baixos. Esse aumento no estradiol estimula o hipotálamo a liberar GnRH (hormônio liberador de gonadotrofinas), que, por sua vez, induz um pico de LH (hormônio luteinizante). O LH é o responsável direto pela ovulação do folículo dominante, que ocorre aproximadamente 28 horas após o início do estro (Keskin et al., 2011).

Essa sequência hormonal é essencial para que a fêmea atinja o ponto máximo de fertilidade, e qualquer alteração nesse eixo pode comprometer a ovulação e, consequentemente, a taxa de prenhez.

Sinais comportamentais e físicos

A correta identificação do estro é um dos maiores desafios do manejo reprodutivo. Os principais sinais observáveis incluem:

  • Aceitação da monta: é o sinal mais confiável de que a vaca está em estro.
  • Agitação e inquietação: a vaca permanece mais ativa e caminha com frequência.
  • Vocalização aumentada: mugidos constantes.
  • Secreção vaginal clara e mucosa: com aspecto viscoso e transparente.
  • Postura arqueada (lordose) durante a monta por outra fêmea.
  • Redução do apetite e queda na produção de leite (em alguns casos).
  • Rabo levantado, vulva edemaciada e hiperêmica.

Sinais de detecção do cio em vacas leiteiras

Fonte: Material de aula Rehagro

A observação desses sinais, preferencialmente duas a três vezes ao dia, aumenta a precisão na identificação do estro e permite maior sucesso na inseminação.

Em propriedades com rebanhos grandes, o uso de tecnologias auxiliares, como colares de monitoramento de atividade e sensores de monta, pode ser um diferencial para garantir a eficiência reprodutiva, desde que aplicadas com critério técnico e acompanhamento constante.

Além disso, estratégias simples e acessíveis como o uso de bastão de cera (tinta marcador de cio) e raspadinhas aplicadas na base da cauda também são amplamente utilizadas e eficazes na identificação do momento em que a fêmea está sendo montada, servindo como sinal indireto, porém confiável, da ocorrência do estro.

E-book Detecção de cio

Metaestro: a transição da ovulação para a formação do corpo lúteo

O metaestro é a fase de transição do ciclo estral que sucede o estro e se estende por cerca de 3 a 5 dias. Inicia-se logo após a ovulação e é caracterizada por mudanças estruturais e hormonais no ovário, especialmente a formação do corpo lúteo (CL), processo conhecido como luteinização.

Essa fase marca o fim da receptividade sexual e o início da dominância da progesterona, hormônio essencial para o estabelecimento e manutenção da gestação.

Atividade hormonal e luteinização

Com o fim do estro e a ocorrência da ovulação, o folículo dominante que liberou o oócito passa por uma série de transformações celulares que resultam na formação do corpo lúteo funcional. Esse tecido endócrino passa a secretar altos níveis de progesterona, que têm como principal função:

  • Preparar o útero para uma possível gestação;
  • Inibir o comportamento estral e os picos de GnRH;
  • Prevenir novas ovulações durante esse período.

A ação inibitória da progesterona ocorre principalmente sobre o eixo hipotálamo-hipófise, bloqueando a liberação de GnRH e, consequentemente, reduzindo os pulsos de LH. Dessa forma, ainda que haja produção de estradiol por pequenos folículos antrais remanescentes, esse estímulo não é suficiente para induzir um novo ciclo de ovulação.

Fisiologia do ciclo estral

Fonte: Fisiologia do Ciclo Estral dos Animais Domésticos – Emanuel Isaque Cordeiro da Silva

Comportamento e observações clínicas

Durante o metaestro, a vaca deixa de demonstrar qualquer comportamento de cio e passa a apresentar um comportamento mais calmo e menos interativo. Nesse período, não há receptividade sexual, e o diagnóstico de estro seria considerado falso positivo caso ocorresse uma interpretação incorreta dos sinais (Senger, 2012).

Um sinal clínico que pode ocorrer em algumas vacas é o sangramento vaginal discreto, também conhecido como hemorragia do metaestro. Esse fenômeno é resultante da queda abrupta nos níveis de estrogênio ao final do estro e não representa fertilidade ou sucesso da ovulação, mas pode ser útil como indicador retrospectivo de que a ovulação ocorreu há cerca de 1 a 2 dias (Wattiaux, 2009; Rehagro, 2023).

Uma estratégia eficiente para otimizar o diagnóstico da ovulação durante o metaestro é a realização da ultrassonografia para verificação da presença do corpo lúteo (CL).

Esse exame deve ser realizado cerca de quatro dias após a inseminação, sendo que a presença do CL indica que houve ovulação, com possibilidade de prenhez, enquanto sua ausência sugere que a vaca não ovulou e, portanto, não tem chance de concepção. Esse manejo permite identificar precocemente falhas ovulatórias, evitando atrasos reprodutivos e possibilitando a reinserção rápida da vaca em um novo protocolo hormonal.

Diestro: a fase de máxima produção de progesterona

O diestro é a fase mais longa e estável do ciclo estral bovino, com duração média de 10 a 14 dias.

Inicia-se após a completa formação do corpo lúteo e é caracterizado por altos níveis de progesterona, em decorrência do pico funcional do corpo lúteo. Essa concentração elevada do hormônio é essencial para promover o desenvolvimento e a manutenção do endométrio uterino, criando um ambiente propício para a implantação embrionária (Senger, 2012). Além do bloqueio completo da atividade sexual e de novas ovulações.

Regressão lútea e reinício do ciclo

Caso a fêmea não seja fecundada, o útero inicia a liberação de prostaglandina F2α (PGF2α), principalmente por volta do 16º dia do ciclo, sinalizando ao ovário que não houve gestação. Essa prostaglandina atinge o corpo lúteo por via contralateral e induz sua luteólise, promovendo a queda abrupta dos níveis de progesterona (Silva, 2021).

Com a redução da progesterona, o hipotálamo volta a liberar GnRH, reiniciando o ciclo com uma nova onda folicular.

Comportamento durante o diestro

Durante o diestro, a vaca não manifesta sinais comportamentais de cio. O comportamento é neutro ou apático, e o animal tende a manter-se isolado e sem demonstrar receptividade.

Essa ausência de sinais visíveis pode dificultar a percepção de que o animal está em ciclo ativo, especialmente em manejos baseados exclusivamente em observação visual.

Fisiologia do ciclo estral de vacas leiteiras

Fonte: Fisiologia do Ciclo Estral dos Animais Domésticos – Emanuel Isaque Cordeiro da Silva

Anestro: quando o ciclo estral é interrompido

O anestro é uma condição em que a vaca deixa de manifestar ciclos estrais de forma regular, sendo caracterizado pela ausência de sinais de cio e de ovulação. Importante ressaltar que o anestro não é uma fase do ciclo estral, mas sim um estado de inatividade ovariana temporária, que pode comprometer a eficiência reprodutiva do rebanho leiteiro.

Esse fenômeno pode ocorrer de forma fisiológica, como no pós-parto ou em fêmeas pré-púberes, ou de forma patológica, quando associado a fatores nutricionais, metabólicos ou sanitários que afetam o eixo hipotálamo-hipófise-ovariano

O anestro em vacas leiteiras é geralmente resultado de uma interação multifatorial, envolvendo aspectos fisiológicos, nutricionais, ambientais e sanitários.

Entre os fatores mais frequentes, destacam-se o balanço energético negativo (BEN) no pós-parto, o estresse térmico, doenças uterinas como metrite e endometrite, além de deficiências de nutrientes essenciais. A identificação da causa específica requer uma avaliação criteriosa do histórico produtivo, estado corporal, condição sanitária e ambiente, permitindo intervenções mais direcionadas e eficazes no restabelecimento da ciclicidade ovariana.

Para o manejo adequado, é essencial o uso de ferramentas como a ultrassonografia transretal, que permite verificar a presença (ou ausência) de estruturas ovarianas funcionais (folículos e corpo lúteo). A identificação precoce de vacas em anestro é fundamental para a adoção de estratégias hormonais ou nutricionais que visem o restabelecimento da ciclicidade.

Conclusão

Compreender o ciclo estral bovino vai além da teoria fisiológica: trata-se de uma competência prática essencial para a eficiência reprodutiva em sistemas leiteiros modernos. O reconhecimento das quatro fases, aliado ao entendimento da dinâmica hormonal e comportamental de cada uma delas, permite ações mais assertivas no manejo, com reflexos diretos sobre taxas de concepção, intervalos entre partos e produtividade do rebanho.

O domínio desse conhecimento técnico habilita o profissional a identificar com precisão o momento da ovulação, a selecionar e aplicar protocolos hormonais com base na fisiologia real do animal, e a personalizar estratégias de inseminação artificial ou IATF, adaptando-as ao perfil do rebanho e às metas da fazenda.

Mais do que aplicar hormônios ou seguir protocolos prontos, o verdadeiro impacto está em compreender o momento fisiológico de cada fêmea e transformar esse conhecimento em decisões estratégicas no campo.

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Bruna Maeda - Equipe Leite Rehagro

Referências

  • BÓ, G. A.; BARUSELLI, P. S.; VISINTIN, J. A. Controle farmacológico do ciclo estral em bovinos e sua aplicação para a inseminação artificial em tempo fixo (IATF). Revista Brasileira de Reprodução Animal, v. 43, n. 2, p. 181-190, 2019.
  • KESKIN, A. et al. The timing of ovulation and conception rate in dairy cows treated with GnRH or estradiol benzoate. Theriogenology, v. 75, n. 3, p. 583–589, 2011.
  • ROELOFS, J. B. et al. When is a cow in estrus? Clinical and practical aspects. Theriogenology, v. 74, n. 3, p. 327-344, 2010.
  • SENGER, P. L. Pathways to Pregnancy and Parturition. 3. ed. Pullman: Current Conceptions Inc., 2012.
  • SILVA, E. I. C. da. Fisiologia do Ciclo Estral dos Animais Domésticos. Material acadêmico. Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), 2021.
  • WATTIAUX, M. A. Bovine Reproduction. The Babcock Institute for International Dairy Research and Development, University of Wisconsin-Madison, 2009. Disponível em: http://babcock.wisc.edu

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