A pecuária de corte brasileira tem, em sua base, um modelo extensivo e altamente dependente das pastagens. Cerca de 90% da carne bovina produzida no país passa, em alguma etapa, por sistemas de engorda a pasto, segundo dados da Embrapa. Esse modelo é economicamente viável, ambientalmente sustentável e culturalmente consolidado, mas enfrenta um desafio recorrente: a sazonalidade climática.
Ao longo do ano, variações na disponibilidade e na qualidade da forragem afetam diretamente o desempenho dos animais. Durante o período das águas (primavera e verão), há maior crescimento das pastagens, com boa oferta de proteína e energia. Já na seca (outono e inverno), a escassez de chuvas reduz o volume e o valor nutritivo dos pastos, o que limita o ganho de peso e compromete os resultados da engorda.
Essa oscilação no ambiente produtivo exige estratégias inteligentes de manejo para manter a regularidade no ganho de peso, garantir a previsibilidade no tempo de abate e, principalmente, otimizar o custo da engorda a pasto.
O que é sazonalidade na pecuária e por que ela impacta na engorda a pasto?
A sazonalidade, na pecuária, refere-se às variações cíclicas e previsíveis que ocorrem ao longo do ano em função do clima, especialmente a alternância entre o período chuvoso e o período seco.
No Brasil, esse fenômeno é particularmente relevante, pois grande parte do território nacional possui clima tropical, com estações bem definidas e alto grau de dependência das chuvas para a produção de forragem.
Como a sazonalidade afeta a base alimentar do gado
A pastagem é a principal fonte de alimento para o gado de corte em sistemas a pasto. Durante a estação das águas (outubro a março, com variações regionais), o crescimento das forrageiras é intenso, com boa disponibilidade de nutrientes. Já na estação seca (abril a setembro), o desenvolvimento das plantas diminui drasticamente, impactando em três frentes principais:
- Menor oferta de massa verde: o pasto cresce menos e, em alguns casos, entra em senescência;
- Queda na qualidade nutricional: há redução nos teores de proteína bruta e digestibilidade da forragem;
- Aumento da competição por alimento: a lotação animal precisa ser ajustada, o que nem sempre é feito a tempo.
Relação entre clima, pasto e desempenho animal
Estudos mostram que o ganho de peso médio diário (GMD) pode cair mais de 50% durante o período seco em comparação com o chuvoso, quando não há estratégias de suplementação ou manejo adequado. Isso se traduz em menor produtividade, maior tempo até o abate e, consequentemente, aumento do custo de engorda a pasto.
Além disso, o estresse térmico associado ao calor excessivo e à menor disponibilidade de água pode reduzir a eficiência alimentar dos bovinos, tornando ainda mais crítico o cenário em determinadas regiões.
Principais desafios da engorda a pasto em períodos críticos
A engorda de gado de corte a pasto tem seu ponto forte no baixo custo alimentar, mas essa vantagem pode ser comprometida quando os efeitos da sazonalidade não são enfrentados com planejamento técnico e estratégico.
1. Queda acentuada no desempenho animal
A limitação da oferta de nutrientes compromete diretamente o ganho de peso médio diário (GMD). Bovinos em engorda a pasto durante a seca podem apresentar GMD inferior a 300 g/dia, enquanto na estação das águas esse número pode superar 800 g/dia, segundo dados da Embrapa Gado de Corte.
Essa queda atrasa o ciclo de produção, reduz a eficiência do sistema e impacta na rentabilidade.
2. Atraso no tempo de abate
A soma de baixo GMD e maior tempo para atingir o peso de abate resulta em estagnação no fluxo de caixa do produtor. Animais permanecem mais tempo na fazenda consumindo recursos (água, suplementação, mão de obra) sem retorno imediato, o que compromete o custo de engorda a pasto e o planejamento financeiro do sistema.
3. Aumento de custos indiretos
Mesmo em sistemas que priorizam o custo baixo, a ausência de forragem obriga o uso de estratégias corretivas (como suplementação de emergência, compra de volumoso ou redução da lotação), que, se não forem planejadas previamente, encarecem o ciclo de produção.
Há também o aumento de gastos com sanidade, já que animais subnutridos tendem a ficar mais suscetíveis a doenças.
4. Desequilíbrio na taxa de lotação e sobrepastejo
Quando o pasto disponível não é suficiente para atender à demanda do rebanho, é comum que ocorra sobrepastejo, um cenário no qual o gado consome o pasto além da sua capacidade de recuperação.
Isso reduz ainda mais a oferta futura de forragem, compromete a rebrota e prejudica a sustentabilidade do sistema, agravando o efeito da sazonalidade.
Dados e números que mostram a relevância do tema
Compreender a dimensão do impacto da sazonalidade na engorda a pasto exige olhar para os números.
Diversos estudos mostram que as flutuações climáticas influenciam diretamente o desempenho animal e a eficiência global dos sistemas de produção a pasto.
Queda no ganho de peso em função da estação
Segundo a Embrapa Gado de Corte, o ganho de peso médio diário (GMD) de bovinos em sistema de engorda a pasto varia significativamente entre as estações:
Fonte: Embrapa Gado de Corte
Essa diferença mostra o impacto direto da qualidade da pastagem e da necessidade de intervenções nutricionais para manter o desempenho.
Efeito na taxa de lotação
A taxa de lotação (número de UA/ha) também sofre variação significativa. No período das águas, é comum trabalhar com 1,5 a 2,5 UA/ha em regiões bem manejadas. Na seca, essa taxa pode cair para 0,5 a 1 UA/ha, demandando venda antecipada, realocação de animais ou suplementação intensiva.
Essa queda de produtividade da área, se não for prevista, compromete a eficiência do uso do solo, a capacidade de suporte da fazenda e a rentabilidade geral do sistema.
Como a suplementação pode corrigir os efeitos da sazonalidade?
A suplementação para engorda a pasto é uma ferramenta estratégica e amplamente consolidada no manejo nutricional do gado de corte. Sua função vai muito além de simplesmente “aumentar o ganho de peso”: ela corrige deficiências nutricionais do pasto, mantém o desempenho dos animais mesmo em épocas críticas e garante a continuidade do ciclo produtivo.
Por que suplementar?
Durante o período seco, a pastagem apresenta:
- Baixo teor de proteína bruta (inferior a 6% em muitos casos);
- Redução da digestibilidade;
- Menor disponibilidade de energia metabolizável;
- Deficiência de minerais essenciais, como fósforo, enxofre e sódio.
Sem a correção desses desequilíbrios, o custo de engorda a pasto aumenta devido ao maior tempo até o abate e ao uso ineficiente da terra e dos recursos disponíveis.
Tipos de suplementação e quando usar
A escolha do tipo de suplemento depende do objetivo, do nível nutricional do pasto e da categoria animal. Abaixo, uma visão geral das principais modalidades:
Comparativo de desempenho: com e sem suplementação
Vamos considerar um exemplo médio de desempenho no período seco:
A suplementação pode reduzir em até 40% o tempo de engorda, otimizando o uso da área, dos recursos e antecipando o retorno financeiro.
Cuidados ao adotar suplementação
Apesar de seus benefícios, a suplementação exige planejamento:
- Cálculo econômico detalhado: avalie o custo da arroba produzida com e sem suplemento;
- Adequação da estrutura: cochos, bebedouros, logística de distribuição;
- Monitoramento contínuo: consumo, desempenho, escore corporal;
- Evitar desperdícios: suplemento mal armazenado ou mal fornecido pode gerar perdas significativas.
Quando bem implementada, a suplementação é uma das principais aliadas para driblar os efeitos da sazonalidade, mantendo o sistema produtivo previsível, eficiente e competitivo.
Estratégias para reduzir o custo da engorda a pasto em épocas de baixa
Minimizar os impactos da sazonalidade exige mais do que corrigir deficiências nutricionais. Envolve planejamento forrageiro, gestão de recursos, adaptação do manejo e uso de ferramentas simples, porém estratégicas, que podem reduzir custos e preservar o desempenho do rebanho.
A seguir, abordamos algumas das principais práticas utilizadas por produtores e consultores para garantir rentabilidade mesmo em épocas de escassez.
1. Planejamento forrageiro: pasto é alimento, e precisa de gestão
A formação de uma boa reserva forrageira começa ainda durante o período das águas, quando o crescimento da pastagem é acelerado. O ideal é:
- Monitorar a taxa de crescimento das forrageiras;
- Definir lotações de acordo com a capacidade de suporte real da área;
- Planejar o uso rotacionado das pastagens, evitando o sobrepastejo.
Segundo a Embrapa, cada 1 hectare de pastagem bem manejada pode produzir até 8 toneladas de matéria seca por ano, enquanto um pasto degradado mal manejado pode cair para menos de 2 toneladas.
2. Ajuste da lotação animal: menos é mais, em certos momentos
Durante o período seco, manter a mesma lotação do período das águas pode ser desastroso. A superlotação leva à rápida degradação da pastagem, piora o escore corporal dos animais e, por fim, aumenta o custo da engorda por arroba.
Ajustes recomendados:
- Reduzir o número de animais por hectare no início da seca;
- Priorizar os lotes com melhor potencial de retorno (terminação);
- Considerar venda antecipada de animais de menor desempenho.
3. Reserva de pasto e uso de volumoso conservado
A adoção de estratégias como fenação e silagem pode ser uma saída inteligente e econômica quando bem planejada. Embora tenha custo, a produção de volumoso próprio pode sair mais barata do que depender exclusivamente de suplementos comerciais ou da compra de feno de terceiros.
Opções viáveis:
- Silagem de capim: custo por tonelada menor que a de milho em regiões tropicais;
- Feno de capim-elefante ou braquiária: fácil manejo e boa conservação;
- Corte e rebrota controlada de áreas específicas para reserva seca.
4. Gestão financeira integrada ao planejamento produtivo
Muitas vezes, o produtor enxerga a suplementação ou a conservação de forragem como um custo, quando na verdade são investimentos em eficiência produtiva. Integrar a gestão financeira ao planejamento técnico é o que separa sistemas reativos de sistemas sustentáveis.
Boas práticas:
- Calcular o custo de produção por arroba de forma sazonal;
- Usar indicadores como custo de oportunidade da terra e taxa de lotação real;
- Antecipar compras de insumos ainda no período das águas, aproveitando preços mais baixos.
Considerações finais
A sazonalidade e engorda a pasto não são desafios passageiros na pecuária de corte, são elementos estruturais do sistema produtivo brasileiro. Ignorá-los compromete resultados. Antecipá-los e planejar soluções é o que separa os sistemas rentáveis daqueles que operam sempre no limite.
Ao longo deste conteúdo, vimos que os efeitos do clima sobre o desempenho animal e o custo de produção são profundos, mas não são incontroláveis. Há ferramentas viáveis e acessíveis para manter a performance mesmo nas épocas mais críticas do ano, e elas começam com planejamento.
A importância de um planejamento forrageiro e nutricional nesses períodos reside na necessidade de ajustar a dieta dos animais às alterações na disponibilidade e qualidade da pastagem.
Checklist de ações por época do ano
Em um setor onde margens estão cada vez mais apertadas e o mercado exige regularidade na entrega de carne com qualidade, entender e dominar a sazonalidade não é mais uma vantagem, é uma necessidade estratégica.
O diferencial entre fazendas comuns e de alta performance está aqui
A pecuária de corte moderna exige gestão, estratégia e aplicação prática do conhecimento. Seja você um produtor em busca de mais lucratividade, um sucessor que precisa assumir a fazenda ou um consultor que deseja gerar mais resultados, a Pós-graduação em Produção de Gado de Corte oferece uma formação completa para transformar sua atuação no setor.
Autoria: Equipe Corte Rehagro
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